24 dezembro 2006

 

Bom Natal para todos vós

Nesta véspera de Natal lembrei-me dos trabalhadores despedidos da Opel da Azambuja. Não conheço nenhum, nem nutro o sentimento de comiseração, nem sequer talvez o de solidariedade, por eles. Receberam uns tostões e foram para casa mais ou menos calados. É a resignação perante o mundo em que vivemos, as deslocalizações, a globalização, etc.
O que me leva a falar deles é a exemplaridade do seu caso. Ninguém hoje pode estar seguro do seu emprego. Ninguém pode ter confiança e orgulho no seu trabalho, na sua empresa. Em qualquer altura, a empresa pode sumir-se e mandar os trabalhadores à vida. Estes podem ter 20 e poucos anos ou 40 e tal ou mesmo 50. Que vão fazer então? Desenrascar-se, se puderem, é essa a lógica do capitalismo actual, o mais selvagem de todos. Para o capitalismo dos nossos dias os trabalhadores são uma mercadoria quase sempre em excesso. Os trabalhadores não trabalham, atrapalham. Reduzir o pessoal ao mínimo essencial é a preocupação permanente de qualquer gestor consciente. O capitalismo não precisa das pessoas. Precisa apenas de consumidores. Por isso as deita fora. A meta ideal é a empresa integralmente mecanizada, sem factor humano. Mas donde virão então os consumidores? Onde procurar sempre novos mercados?
Os trabalhadores da Opel da Azambuja vão ter agora tempo para pensar nisto tudo, enquanto
vão gastando os cobres (até quando darão?). E enquanto os nossos governantes vão continuar a falar na necessidade de mais investimento estrangeiro, etc. etc. para criar riqueza, etc, etc. Sábia governação.
Em todo o caso, para todos desejo Bom Natal e a todos deixo este poema de Natal de Jorge de Sena, escrito numa altura em que estava mal disposto com o seu país e com o mundo inteiro do seu tempo, como ele aliás quase sempre estava:


Natal de 1971

Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhês,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?








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