15 março 2007

 

A teimosia da Constituição



No dia15 de Fevereiro de 2007, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se no sentido de que não feriam a Constituição da República, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, CR) ou do direito a casar e a constituir família (artigo 36.º, CR), os artigos 1577.º, (que define o casamento como um contrato entre pessoas de sexo diferente com vista à constituição de família) e 1628.º, al. e) (que fulmina de juridicamente inexistente o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo), ambos do Código Civil. A argumentação do acórdão vai no sentido sublinhar que o próprio legislador constitucional estabeleceu, claramente, uma linha divisória entre casamento e família (artigo 36.º, n.º 1, da CR), em termos de se poder concluir que a relação entre os dois conceitos é unívoca (se o casamento existe, sempre, em função da constituição de uma família, não é verdade que a constituição de família suponha o casamento) e de que foi deixado ao legislador ordinário amplo poder de conformar o conceito de casamento. Uma conclusão que nem mesmo o Prof. Vital Moreira se atreve a contrariar na última (e, aliás, excelente) edição da Constituição da República Portuguesa Anotada, de que é co-autor.

No fundo, claro está, o que pretendem os paladinos das “causas fracturantes”, os novos niilistas, neste temário como em muitos outros, é expurgar a lei de toda e qualquer reminiscência de uma herança cultural milenar. Nem que seja a tratos de polé. Mas o casamento não é apenas um conceito jurídico; é também, e sobretudo e antes de tudo, uma instituição. E as instituições são-nos “dadas” pela cultura, não pela lei. Na feitura desta é que não se pode – não se deve – desconsiderar que é feita para vigorar num (e supondo o lastro de um) determinado ambiente cultural, que não convém alterar por mutação mas sim por evolução, de forma lenta e sedimentada. Só assim é que as normas jurídicas, sobretudo em área tão sensível e tão “culturalmente comprometida” como a aqui em causa, ganham aceitação social e, por isso, efectiva vigência. E muito menos pode fazer-se da lei coutada desta ou daquela minoria, laboratório deste ou daquele engenheiro social, porque isso redunda em formas de moralismo “de pernas para o ar”: converte-se na imposição a uma maioria dos códigos morais de uma minoria. Neste ponto, bem se vê, já os tiques autoritários são insofismáveis.

Por outro lado, sempre achei algo estranho que muitos dos que nos anos 60/70 do século XX enfileiravam orgulhosamente no movimento anti-institucionalizador, que reclamavam que o casamento mais não era do que uns rabiscos num pedaço de papel e que prejudicava a comunhão (ou seja, no fundo, o amor, a família, a substância das coisas), se ergam agora como os mais eriçados e empedernidos defensores da institucionalização da família (homossexual) em forma de casamento. Isso prova bem que a retórica é coisa de que se (ab)usa em função dos apetites do momento.

Seja como for, tenho por estranho o relativo silêncio da imprensa das “causas” a propósito daquela decisão. Será que é porque não vale pena levantar alaridos, porque o Governo/PS já anunciou que, após o momento tanático (com o aborto, mas que previsivelmente terá desenvolvimentos próximos na eutanásia), nos vai brindar ainda este ano com um momento erótico, resolvendo definitivamente este grave problema que afecta a sociedade portuguesa e atirando-nos para um patamar de desenvolvimento inimaginável, ainda superior àquele que conquistamos com a liberalização do aborto até às 10 semanas? Ou será porque não seria muito cómodo, neste caso, singularizar um bode expiatório? Sim, porque uma reacção típica para um tal desaforo implicaria, no bem conhecido estilo histérico, retaliatório e intolerante para com a livre expressão do pensamento (dos outros, claro), rotular de homofóbicos (essa arma temível que dispensa o cuidado de argumentar) todos aqueles que, de um modo ou outro, se relacionam com aquela decisão (conservador do registo civil, juiz de comarca, juízes desembargadores). E, nesse caso, nem seria coerente deixar de lado, imagine-se, um ou outro ilustre comentarista da Constituição da República...





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