21 maio 2007

 

Constitucionalmente fazendo de conta


Sendo certo que, como qualquer decisão política, a escolha de Rui Pereira, recém empossado juiz do Tribunal Constitucional (TC), para novo ministro da Administração Interna pode merecer críticas em várias das suas vertentes, divirjo da ideia, aparentemente maioritária, e aqui defendida por Maia Costa de que o aceitar de tal nomeação constitui uma injúria ao TC.
Com efeito, Rui Pereira não foi obviamente convidado para ministro do interior por ser juiz do TC, apresenta um currículo anterior que o habilita para o efeito e se, ao que parece, prefere ser ministro a juiz constitucional «é a vida...».
O sistema português parece compreender de forma articulada o reconhecimento da dimensão política das escolhas para o órgão de cúpula do sistema de fiscalização de constitucionalidade com a pretendida salvaguarda da independência e imparcialidade dos membros do tribunal depois de empossados. Nessa medida o abandono de um juiz do tribunal logo no início do respectivo mandato parece-me muito menos grave para a imagem e prestígio da instituição do que outros eventos que correspondem a uma «tradição» (embora nunca claramente assumida pelos protagonistas) recentemente reafirmada, sobre aspectos relevantes do próprio funcionamento do TC(1).
Estou concretamente a pensar na hipótese de relativamente ao exercício de atribuições dos juízes do tribunal, a cooptação de alguns elementos e as eleições do presidente e do vice-presidente, existirem directivas prévias e externas que em regra são aceites(2). Mesmo que não seja assim e afinal o que é relatado há muitos anos corresponder a uma falsidade associada a uma extraordinária conjugação de coincidências era de exigir, no mínimo, um desmentido inequívoco até à data inaudível. Pode-se provavelmente dizer, com bons argumentos, que a designação do presidente e dos juízes do TC tem demasiado relevo político para poder ser deixada para os respectivos elementos, o problema é que se assim for as regras estatutárias têm de corresponder a essa concepção e o que se apresenta inaceitável é que as normas sejam para «fazer de conta» e o TC participe nesse, ou em qualquer outro, «fazer de conta».
Já quanto aos constrangimentos derivados da aceitação do cargo, decerto que existem boas razões para, tal como acontece com outros cargos com um relevo bem menor, limitar drasticamente as hipóteses de renúncia e fixar um período de nojo para o futuro desempenho de cargos políticos, mas então (especialmente numa república tão dada à regulamentação) tal deve ser expressamente consagrado. Aliás neste e noutros pontos muito haveria a aprender com outras «tradições», tão distintas da nossa, de escrutínio e responsabilidade pública.

(1) A eventual lesão ao TC (ou à justiça constitucional portuguesa) que poderá decorrer de quem venha a ser escolhido para ocupar a vaga aberta já será outra estória, mas aí preferiria não me pronunciar sobre hipóteses ainda por confirmar.
(2) Refira-se que o alegado incumprimento da «tradição» recentemente ocorrido foi acompanhada de informações tranquilizadoras de que haveria uma outra «tradição» que exigiria um período de tempo antes de determinada ascensão e que daqui quatro anos e meio tudo poderiam retomar a «normalidade» (estando reunidas as «condições» para as «tradições» se cumprirem).

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