26 maio 2007
O discurso político
Uma das minhas formas de ociosidade é adejar pelas estantes. Foi assim que a minha mão filou um livro antiquíssimo de Roger Vailland – "Drôle de Jeu". Roger Vailland: um dos mitos de certa boémia culta coimbrã. Quem lê hoje o autor de "Esquisse Pour Un Portrait Du Vrai Libertin?" O engraçado é que, ao folhear o livro, encontrei dentro uma ficha com uma anotação. Como tinha ali ido parar essa ficha? Sempre gostei de tomar apontamentos em papéis, fichas, cadernos. E ali estava aquela, aparentemente sem explicação para lá estar. É o que tem esta busca indefinida pelo labirinto das estantes. De repente, deparam-se coisas surpreendentes. A ficha tinha um título: “Discurso Político” e reproduzia um trecho de Roland Barthes, do seu livro "Roland Barthes Por Roland Barthes" (Edições 70). Fui a outra estante, já esquecido de Vailland, e pus-me a ler a passagem anotada.
Barthes fala de si na terceira pessoa como ser de linguagem (“O seu lugar (o seu meio) é a linguagem…”) E mostra que o que o opõe ao “político” (aqui no sentido de esfera de acção) é precisamente uma questão de linguagem. Diz ele: “De boa vontade seria sujeito, mas não falador político (falador: aquele que despeja o seu discurso, o narra e ao mesmo tempo o notifica, o assinala). E é por não conseguir desprender o real político do seu discurso geral, repetido, que o político lhe está vedado”.
E continua:
“O discurso político não é o único que se repete, se generaliza e se fatiga: logo que se verifica em qualquer lado uma mutação do discurso, logo se lhe segue uma vulgata e o seu cortejo esgotante de frases imóveis. Se este fenómeno comum lhe parece especialmente intolerável no caso do discurso político, é porque a repetição toma aqui o aspecto dum "cúmulo": uma vez que o político se tem por ciência fundamental do real, dotamo-la fantasmaticamente com um derradeiro poder: o de dominar a linguagem, reduzindo toda a tagarelice ao seu resíduo de real. Como então tolerar sem mágoa que o político enfileire também nas linguagens e se torne tagarelice?”
Pois bem. Citei e fico a pensar. Tantas vezes dou comigo a dizer-me interiormente que o discurso político é o mais decepcionante de todos os discursos. Será então o Barthes a falar pelo meu subconsciente? O certo é que é mesmo uma questão de linguagem, também de estética, que me opõe, na maioria das vezes, ao discurso político (o do falante político). Um tédio, uma sensação de vazio ou de cansaço, ou talvez melhor: de cassete. A cassete é comum a todos os discursos políticos. A tal tagarelice. Às vezes é uma completa decepção vermos pessoas inteligentes, que conhecemos, a falarem na sua qualidade de políticos. Não dizem nada que não seja medido, previsível, calculado e saturado de estereótipos (excluo, talvez, Alberto João Jardim, cuja capacidade de nos surpreender, no seu estilo “pimba”, é infindável). No fim, aquela sensação de vazio, de tempo perdido. Não quer dizer que não haja, a esse nível, quem seja capaz de instituir aquilo que Barthes chama um novo "modo de discursividade". Mas são muito raros esses casos e não se encontram propriamente nos protagonistas da política.
Barthes fala de si na terceira pessoa como ser de linguagem (“O seu lugar (o seu meio) é a linguagem…”) E mostra que o que o opõe ao “político” (aqui no sentido de esfera de acção) é precisamente uma questão de linguagem. Diz ele: “De boa vontade seria sujeito, mas não falador político (falador: aquele que despeja o seu discurso, o narra e ao mesmo tempo o notifica, o assinala). E é por não conseguir desprender o real político do seu discurso geral, repetido, que o político lhe está vedado”.
E continua:
“O discurso político não é o único que se repete, se generaliza e se fatiga: logo que se verifica em qualquer lado uma mutação do discurso, logo se lhe segue uma vulgata e o seu cortejo esgotante de frases imóveis. Se este fenómeno comum lhe parece especialmente intolerável no caso do discurso político, é porque a repetição toma aqui o aspecto dum "cúmulo": uma vez que o político se tem por ciência fundamental do real, dotamo-la fantasmaticamente com um derradeiro poder: o de dominar a linguagem, reduzindo toda a tagarelice ao seu resíduo de real. Como então tolerar sem mágoa que o político enfileire também nas linguagens e se torne tagarelice?”
Pois bem. Citei e fico a pensar. Tantas vezes dou comigo a dizer-me interiormente que o discurso político é o mais decepcionante de todos os discursos. Será então o Barthes a falar pelo meu subconsciente? O certo é que é mesmo uma questão de linguagem, também de estética, que me opõe, na maioria das vezes, ao discurso político (o do falante político). Um tédio, uma sensação de vazio ou de cansaço, ou talvez melhor: de cassete. A cassete é comum a todos os discursos políticos. A tal tagarelice. Às vezes é uma completa decepção vermos pessoas inteligentes, que conhecemos, a falarem na sua qualidade de políticos. Não dizem nada que não seja medido, previsível, calculado e saturado de estereótipos (excluo, talvez, Alberto João Jardim, cuja capacidade de nos surpreender, no seu estilo “pimba”, é infindável). No fim, aquela sensação de vazio, de tempo perdido. Não quer dizer que não haja, a esse nível, quem seja capaz de instituir aquilo que Barthes chama um novo "modo de discursividade". Mas são muito raros esses casos e não se encontram propriamente nos protagonistas da política.