04 julho 2008

 

Jonathan Swift e Tchékhov

A propósito do que escreveu Jonathan Swift sobre a forma de resolver vários problemas que nos afligem, entre os quais a saúde, encontrei este trecho de Tchékhov no seu magnífico conto “Enfermaria n.º 6”, publicado no 2.ª Vol. de Contos, traduzido directamente do russo por Nina Guerra e Filipe Guerra (Edição Relógio d´Água):

«Dar uma assistência médica séria a quarenta pacientes externos numa manhã, queira-se ou não, é sempre uma vigarice. No último ano fiscal foram consultados 12 000 doentes, portanto, por um raciocínio simples, foram enganadas 12.000 pessoas. Quanto a hospitalizar os doentes graves e tratá-los de acordo com as regras da ciência médica, também é impossível, porque temos regras, mas não temos ciência; mais ainda: se deixarmos de lado as filosofias e seguirmos com pedantismo as regras, como os outros médicos, é preciso para tal, antes de mais, higiene e ventilação, e não esta imundície; alimentação saudável, e não esta fedorenta sopa de couve fermentada; e bons ajudantes, não estes ladrões.
Além disso, para que impedir as pessoas de morrerem, se a morte é o termo normal e legítimo de cada um de nós? Que importância tem que um mercador ou um funcionário quaisquer vivam mais cinco ou dez anos? Ora, se considerarmos que o objectivo da medicina consiste em aliviar com panaceias o sofrimento, surge involuntariamente uma pergunta: aliviá-lo para quê? Em primeiro lugar, dizem que o sofrimento leva o homem a atingir a perfeição; em segundo lugar, se a humanidade realmente aprender a aliviar o sofrimento com pastilhas e gotas, abandonará por completo a religião e a filosofia, nas quais tem encontrado até hoje não só protecção para todas as desgraças, como ainda a felicidade (…)».


Ora vejam se não há coincidências surpreendentes! Esta página de Tchékhov, para além de vir a propósito, parece uma página de humor negro de Jonathan Swift. Ou então o escrito de Jonathan Swift parece uma página de humor negro de Tchékhov.





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