22 novembro 2008

 

O Congresso dos Juízes

Escutei ontem José Manuel Pureza na Antena 1, no programa chamado “Conselho Superior”, sobre o VIII Congresso dos Juízes Portugueses, que está a decorrer na Póvoa de Varzim. O Congresso tem por título «O Poder Judicial numa democracia descontente». O sociólogo começou por questionar o título: «Democracia descontente?» Toda a democracia é descontente, afirmou, porque é da sua condição ser inconformista e insatisfeita e almejar a níveis mais elevados de realização. Mas será que, com o adjectivo, se quis dar um acento crítico, viabilizando uma leitura pouco satisfatória da nossa democracia no momento actual? Se assim é, então a justiça não se pode pôr de fora da situação, porque ela própria tem sido um dos agentes da crise e um dos factores do descontentamento.
Ora, aqui está! A ambiguidade do título do Congresso poderá favorecer este tipo de leituras. Confesso que, quando o vi escrito, senti uma estranheza, a ponto de ter ficado com o papel informativo suspenso entre mãos, a remoer a palavra. Descontente! Não sabia se a estranheza era provocada pelo inesperado adjectivo, se por uma sensação de desconforto. Descontente!
Sabendo-se que a justiça tem sido alvo das críticas mais aceradas, que a «crise da justiça» tem sido nomeada quase como símbolo da crise da sociedade portuguesa (bem sei que de uma forma exagerada, mediatizada e muitas vezes injusta, sobretudo quando nela são envolvidos grupos profissionais bem demarcados – juízes e Ministério Público – aos quais se atribui, por inteiro, a responsabilidade da crise, a ponto de ela ser identificada com (e só com) esses grupos profissionais), é hoje difícil abstrair de uma opinião pública que não tem a justiça em boa conta. Isso deve-se a factores induzidos e, porventura, deliberadamente orientados para certos fins, em que é difícil discernir motivações políticas, económicas e interesses de outros grupos profissionais e até de certos estratos sociais? Também. Mas o que é certo é que é difícil fugir à constatação da ineficiência da justiça. E, sobretudo, é difícil fugir ao sentimento da generalidade das pessoas, seja ele induzido ou não.
Neste contexto, é necessário evitar toda e qualquer ambiguidade. Os juízes e os magistrados do Ministério Público têm razões para se sentirem «descontentes»? Têm. Nem tudo o que corre mal na justiça lhes pode ser assacado, como tem sido? Pois não. Há situações que lhes são imputáveis, mas há muitas outras que têm de ser partilhadas com outros grupos profissionais, há outras que se devem à inépcia de políticos e legisladores e há factores de crise persistentes que são de ordem estrutural ou de inadequação do “paradigma” existente, como agora se diz. Todavia, acentuar aquele descontentamento ou pôr-se de fora das causas do “descontentamento da democracia” seria um erro fatal de enfoque, que acarretaria inevitavelmente um olhar corporativo sobre as questões da justiça.
Mas também há leituras positivas (e estas, por certo, é que terão relevado, como certamente se verá no final) que se podem fazer do tema do congresso. «O Poder Judicial numa democracia descontente» pode significar o lugar que deve ocupar o poder judicial numa democracia em crise (e esta é, de facto, uma das maiores crises que a democracia atravessa), ajudando a restaurar (a reinventar) a confiança nas instituições democráticas, a começar pela própria justiça.
Se assim for, José Manuel Pureza terá escolhido, entre várias leituras do tema, precisamente a que punha sob a mira da desconfiança os juízes em congresso. Para além de as democracias não serem, forçosamente, descontentes.





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)