02 novembro 2009
A crise da comunicação social
Vou pegar na afirmação final da crónica da passada quinta-feira de Manuel António Pina, intitulada «O tornozelo de Ronaldo» e que proclama esta indignação: «A existência de tantos portugueses, os mais vulneráveis, com fome devia encher-nos de culpa e de vergonha, deveria ser manchete de jornais, notícia de abertura dos telejornais. Não é. É o TGV e o tornozelo de Cristiano Ronaldo (…)» Esta denúncia aponta o dedo à actual situação da comunicação social, um sector que está cada vez mais em crise. O mensário Le Monde Diplomatique (e provavelmente não será o único órgão a fazê-lo) tem vindo a dedicar a esta crise os últimos números.
Toda a gente reconhece que a imprensa, no seu figurino clássico, tem estado em perda contínua. É o número de consumidores que investe cada vez menos na compra de jornais, preferindo outros meios de comunicação, como a Internet, o telemóvel e o audiovisual, atraídos pelas novas tecnologias e pelo preço que as novas empresas de comunicação que concentram todos esses meios oferecem por um “pacote” desses produtos; são as receitas publicitárias que decrescem a olhos vistos, elas próprias preferindo também outros meios, como os já referidos e ainda a “colocação de produtos em filmes de ficção e nas séries televisivas”, como lembra Serge Halimi no número de Outubro do mensário referido.
O declínio da imprensa escrita, por força dessas condicionantes e de uma incapacidade para se renovar, acarreta, por seu turno, uma perda de qualidade constante, senão mesmo a sua total degradação. Com menos dinheiro proveniente das receitas de publicidade e da compra de jornais, estes investem cada vez menos em meios mais dispendiosos: em deslocações, em correspondentes e em delegações em vários pontos do território ou no estrangeiro, em reportagens de grande fôlego, em investigações mais complexas. O jornalismo que dai resulta, como sublinha o mesmo Serge Halimi, submete-se cada vez mais «às receitas cozinhadas pelos serviços de markting: culto do artigo curto, dos temas ditos de “sociedade”, recurso aos títulos bombásticos sobre ninharias, inquéritos de rua, assuntos de proximidade.»
Este panorama é agravado pelo recurso cada vez em maior escala, por parte das empresas, aos “precários” – jornalistas em regra muito jovens que trabalham em condições miseráveis, numa total ausência de direitos e sempre sob a ameaça de despedimento. Jornalistas que se prestam a todo o tipo de trabalho, que sujam as mãos em tarefas menos dignificantes ou até contra a ética jornalística, que suportam todo o tipo de abusos, mas calando-os para não sofrerem retaliações. Leia-se o lancinante artigo de João Pacheco “Vamos brincar aos jornais”, no mesmo número do Le Monde Diplomatique, e ficar-se-á a perceber um pouco mais do mundo obscuro e "marginal" que é hoje o do jornalismo.
Pelo que diz respeito ao audiovisual, o panorama não é melhor, ao menos no que diz respeito à qualidade do jornalismo que se pratica. Com outro aparato espectacular (e aqui a informação é quase sempre espectáculo), o que verdadeiramente conta são os chamados “casos do dia”, as notícias sobre crimes, os “casos chocantes” (mas não do estilo dos que são denunciados por Manuel António Pina), as tricas políticas, os faits divers, os sucessos de contornos telenovelescos. O referido Serge Halimi refere as conclusões a que chegou, a tal propósito, o Instituto Nacional do Audiovisual em França, com os “casos do dia” a subirem exponencialmente e os dramas pessoais a ganharem terreno sobre os dramas colectivos. Mas as coisas não se passam de modo muito diferente entre nós.
Em face deste panorama, em que a informação é uma mercadoria, programada segundo a lógica da máxima rentabilização e da remuneração dos accionistas, congregados em empresas que abarcam todo o vasto sector das comunicações e reflectindo a degradação das relações laborais, que é a marca do capitalismo selvagem dos nossos dias (Veja-se o artigo de Sandra Monteiro «Que jornalismo queremos?» no mesmo número do Le Monde Diplomatique (versão portuguesa), como é que é possível a prática de um jornalismo que dê relevância às questões fundamentais da sociedade, como a fome que grassa entre tantos portugueses, em vez das frioleiras do tipo do «tornozelo de Ronaldo»?
Toda a gente reconhece que a imprensa, no seu figurino clássico, tem estado em perda contínua. É o número de consumidores que investe cada vez menos na compra de jornais, preferindo outros meios de comunicação, como a Internet, o telemóvel e o audiovisual, atraídos pelas novas tecnologias e pelo preço que as novas empresas de comunicação que concentram todos esses meios oferecem por um “pacote” desses produtos; são as receitas publicitárias que decrescem a olhos vistos, elas próprias preferindo também outros meios, como os já referidos e ainda a “colocação de produtos em filmes de ficção e nas séries televisivas”, como lembra Serge Halimi no número de Outubro do mensário referido.
O declínio da imprensa escrita, por força dessas condicionantes e de uma incapacidade para se renovar, acarreta, por seu turno, uma perda de qualidade constante, senão mesmo a sua total degradação. Com menos dinheiro proveniente das receitas de publicidade e da compra de jornais, estes investem cada vez menos em meios mais dispendiosos: em deslocações, em correspondentes e em delegações em vários pontos do território ou no estrangeiro, em reportagens de grande fôlego, em investigações mais complexas. O jornalismo que dai resulta, como sublinha o mesmo Serge Halimi, submete-se cada vez mais «às receitas cozinhadas pelos serviços de markting: culto do artigo curto, dos temas ditos de “sociedade”, recurso aos títulos bombásticos sobre ninharias, inquéritos de rua, assuntos de proximidade.»
Este panorama é agravado pelo recurso cada vez em maior escala, por parte das empresas, aos “precários” – jornalistas em regra muito jovens que trabalham em condições miseráveis, numa total ausência de direitos e sempre sob a ameaça de despedimento. Jornalistas que se prestam a todo o tipo de trabalho, que sujam as mãos em tarefas menos dignificantes ou até contra a ética jornalística, que suportam todo o tipo de abusos, mas calando-os para não sofrerem retaliações. Leia-se o lancinante artigo de João Pacheco “Vamos brincar aos jornais”, no mesmo número do Le Monde Diplomatique, e ficar-se-á a perceber um pouco mais do mundo obscuro e "marginal" que é hoje o do jornalismo.
Pelo que diz respeito ao audiovisual, o panorama não é melhor, ao menos no que diz respeito à qualidade do jornalismo que se pratica. Com outro aparato espectacular (e aqui a informação é quase sempre espectáculo), o que verdadeiramente conta são os chamados “casos do dia”, as notícias sobre crimes, os “casos chocantes” (mas não do estilo dos que são denunciados por Manuel António Pina), as tricas políticas, os faits divers, os sucessos de contornos telenovelescos. O referido Serge Halimi refere as conclusões a que chegou, a tal propósito, o Instituto Nacional do Audiovisual em França, com os “casos do dia” a subirem exponencialmente e os dramas pessoais a ganharem terreno sobre os dramas colectivos. Mas as coisas não se passam de modo muito diferente entre nós.
Em face deste panorama, em que a informação é uma mercadoria, programada segundo a lógica da máxima rentabilização e da remuneração dos accionistas, congregados em empresas que abarcam todo o vasto sector das comunicações e reflectindo a degradação das relações laborais, que é a marca do capitalismo selvagem dos nossos dias (Veja-se o artigo de Sandra Monteiro «Que jornalismo queremos?» no mesmo número do Le Monde Diplomatique (versão portuguesa), como é que é possível a prática de um jornalismo que dê relevância às questões fundamentais da sociedade, como a fome que grassa entre tantos portugueses, em vez das frioleiras do tipo do «tornozelo de Ronaldo»?