01 dezembro 2009

 

As violações do segredo de justiça

A acreditar nas últimas notícias com cunho de veracidade, o segredo de justiça no processo chamado da “Face Oculta” já tinha sido quebrado antes de a coisa saltar para os jornais. Foi isso em Junho passado, tendo então os principais arguidos sido avisados de que estavam a ser alvo de escutas. Mudaram de telefones e de cartão, o que interrompeu o nexo das intercepções, mas estas foram reatadas pouco depois, porque, num caso ou noutro, a operação de substituição não foi bem urdida e a polícia veio a apanhar os novos números de telefone, para além de as vozes terem sido identificadas há muito.
Se a quebra do segredo de justiça tivesse tido êxito completo, provavelmente as investigações teriam sido prejudicadas (e não se sabe mesmo se, apesar disso, o não foram). Esta violação do segredo de justiça é que poderia ter sido verdadeiramente atentatória do Estado de direito democrático, porquanto conduzindo à frustração da realização da justiça. No entanto, a quebra do segredo só começou a ser denunciada com veemência depois de os jornais trazerem para a praça pública os nomes dos implicados e as acções em que estavam envolvidos, isto quando já era praticamente imparável o alastramento do conhecimento de certos actos do processo notificados a certos sujeitos e participantes processuais, com descrições mais ou menos pormenorizadas dos crimes indiciados.
Então, caiu o Carmo e a Trindade. Vieram políticos, juristas e arguidos clamar indignadamente contra as sistemáticas violações do segredo de justiça. Uma das acusações frequentes e já habitual é a da selectividade de tais violações. Há uma retórica vitimológica muito característica nessas denúncias, mas quase sempre, com isso, procura esconder-se o essencial, sem embargo de os julgamentos antecipados na praça pública, através dos meios de comunicação social, serem uma triste realidade de perniciosos efeitos.
Todavia, há um facto curioso a assinalar: muitos dos que falam indignadamente contra a sistematicidade e selectividade das violações do segredo de justiça foram protagonistas, enquanto legisladores, da mudança de paradigma mais radical em matéria de segredo de justiça, nas últimas alterações ao Código de Processo Penal: o estabelecimento do princípio-regra da publicidade do processo penal, sendo o segredo de justiça excepcional e devendo ser requerido ao juiz de instrução pelo arguido pelo assistente ou pelo ofendido, para defesa dos seus interesses, ou ser aplicado pelo Ministério Público, principalmente no interesse da investigação, mas carecendo da validação do juiz de instrução no prazo máximo de 72 horas. Foi o caso deste processo. E ainda está na memória de toda a gente o caso do processo da «Operação Furacão», em que um juiz pretendeu aplicar as novas regras a esse processo, uma vez terminados os prazos da investigação, determinando a sua publicidade quando ainda estavam a correr diligências importantes que convinha recatar do público.





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