19 janeiro 2010

 

O terramoto do Haiti

O terramoto do Haiti traz-nos, cada dia, desde há praticamente uma semana, imagens dolorosas de uma catástrofe de grandes dimensões a que não podemos ser insensíveis, não obstante a distância a que ocorreu a tragédia e a banalização do trágico proporcionada pelos grandes meios audiovisuais à escala global, em que diariamente nos confrontamos com situações de desastre, de guerra, de cataclismo, de flagelo e de sofrimento extremo. Rapidamente nos esquecemos delas, na sucessão vertiginosa dos acontecimentos, que não deixam rasto e que são imediatamente consumíveis como realidade virtual. Porém, neste caso, as imagens de destruição, de aflição e de desespero, diariamente se nos revelando o impiedoso rompimento de toda a rede de ligações em que assenta a vida colectiva e afectiva de um povo – por sinal, um dos mais carenciados do Mundo – interpelam-nos, desde logo pela aflitiva impotência (ou ineficiência?) no debelar das consequências. E interpelam-nos, sobretudo, pela questão essencial do sentido inerente à condição humana. Como escreveu recentemente, num dos seus últimos livros, o filósofo Slavoj Zizek (A Monstruosidade de Cristo, título retirado de uma frase de Hegel) «a resistência ao sentido é decisiva quando nos confrontamos com catástrofes potenciais ou actuais, da Sida e dos desastres ecológicos ao Holocausto (…)». Uma haitiana questionava, em desespero: «Porquê nós? Porquê os haitianos? Por que nos escolheu Deus a nós?» perguntas que nunca otiveram resposta, desde, pelo menos, o Job da Bíblia.
Estes acontecimentos despertam em nós tanto os sentimentos mais abnegados de solidariedade, como revelam o que há de mais sórdido na natureza humana (Ver o egoísmo manifestado a propósito da distribuição de alimentos, a lei do mais forte imposta sobre os fracos da forma mais brutal, os gangs que actuam a coberto do caos reinante, as pilhagens, as agressões, os homicídios, os ajustes de contas). Como não lembrar os romances alegóricos de Albert Camus, nomeadadmente A Peste (autor esquecido das novas gerações e sobre a morte do qual passam agora 50 anos) e de José Saramago (Ensaio sobre a Cegueira, este último, apresentando uma perspectiva nada optimista sobre a natureza humana em geral, não obstante a proveniência ideológica do autor)?
A condição humana em toda a sua precariedade e aleatoriedade, esplendor e miséria.





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