23 maio 2010

 

Flexibilidade

O primeiro ministro começou por anunciar que as drásticas medidas excepcionais seriam por um ano e meio, a contar de Julho próximo, terminando, portanto, no fim do ano de 2011. Pouco tempo após, notando-se já divergência com o ministro das Finanças e com vários economistas a manifestarem a sua incredulidade, veio rectificar o afirmado antes e admitir que as medidas teriam de continuar para além daquele prazo (não se sabe por quanto tempo). Dias após, veio dizer que, afinal, as medidas teriam de ser antecipadas para Junho próximo, abrangendo, por conseguinte, o subsídio de férias já deste ano, que antes tinha afirmado estar excluído. Com pouco mais, começou a especular-se sobre se os rendimentos anteriores a Junho, ou seja, a partir de Janeiro passado, não seriam também abrangidos. O primeiro ministro veio então admitir a retroacção do imposto extraordinário aos meses já decorridos. Os fiscalistas e constitucionalistas brandiram o fantasma da inconstitucionalidade. Ficou, portanto, posta de lado a ideia. Dias depois, esta ideia voltou a pôr-se de pé: são abrangidos todos os rendimentos a partir de Janeiro, mas com um esquema diferente de taxação, que, em todo o caso, será cobrada só a partir de 1 de Junho. Perdão, talvez antes, porque o ministro das Finanças publicou no dia 20 p. p. um despacho no Diário da República, determinando que as novas tabelas entrariam em vigor no dia seguinte. Mas não, será só a partir de 1 de Junho, porque logo outro despacho veio rectificar a data da entrada em vigor da nova tabela.
Porém, a lei que contemplará tais medidas ainda não foi discutida nem aprovada na Assembleia da República. Deputados da oposição questionam-se, indignados, sobre esta incongruência de as medidas serem aplicadas antes da lei. O líder da bancada socialista, querendo manifestar, compreensivelmente, boa vontade em relação ao governo, fala de flexibilidade. É preciso ter flexibilidade. Pois muito bem, aqui está o vocábulo-panaceia que entrou em moda nos tempos que vão correndo. É um termo que pertence à linguagem ilusória ou ilusionista. Na sua feição sedutora, quer dizer ductilidade, souplesse. As coisas não vão pela força, pela rigidez, mas pela maleabilidade com que se as encara. Na sua feição sem disfarce, quer dizer que se deve abandonar a rigidez dos princípios que se dizia serem estruturantes e, portanto, que, em rigor, não há princípios a respeitar; que se pode fazer as coisas em ziguezague constante; que tanto vale ser em Junho, como em Julho, como em Janeiro, daí para a frente ou daí para trás, no fim do ano que vem ou daqui a três anos, ou mesmo daqui a S. Nunca; por meio da lei ou por meio dum despacho, na data certa ou errada; antes ou depois da lei ter instituído a regra. Que é que isso interessa, afinal?





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)