09 maio 2010
Luta de classes: Grécia, o nosso PEC e um poema de Nuno Júdice
Atrevo-me a pensar que o que se passou esta semana nas ruas de Atenas pode ter sido mais um episódio da luta de classes, ou seja, de revolta contra a injusta distribuição de sacrícios, na hora de os fazer.
Quando o nosso PEC começar a doer, também nos darão grandes lições sobre os sacrifícios indispensáveis e inadiáveis que teremos que fazer. E mais nos dirão que é comer e calar, não venham aí as "agências de rating" (o novo papão) agravar ainda mais a nossa situação. Mas os que têm pago todas as crises (e sempre a ouvir sermões dos que não pagam) estarão pelos ajustes? Alguém se poderá admirar se os pagantes do costume não estiverem inteiramente conformados com a fatalidade e se o disserem com alguma veemência?
A luta de classes teima em não morrer, embora por vezes se apresente com formas subtis e até algo ingénuas, como "explica" Nuno Júdice no poema que a seguir se transcreve, incluído no seu último livro: "Guia de Conceitos Básicos":
NATUREZA MORTA COM MARX
As mulheres que traziam a fruta nos cestos, e
os pousavam no chão de pedra, em frente das casas,
para que as senhoras a pudessem escolher, só
sabiam o que era a luta de classes quando ouviam
discutir os preços que elas davam, e ou baixavam
ou não vendiam. Mas quando voltavam para o campo,
com os cestos mais do que vazios, pensavam noutras
coisas: no que as esperava nas casas onde
a doença entrava com o inverno, e no que poderia
acontecer se não chovesse, e as árvores secassem
de um ano para o outro. Nas casas das senhoras,
porém, o cesto de frura, em cima da mesa,
não fala destas coisas. E quando alguém ia tirar
as uvas, para as provar, o sabor nada tinha de amargo,
a não ser que, num breve instante, a imagem
das mãos que as apanharam, naquela madrugada,
não voltasse a trazer a ideia de luta
de classes para dentro do cesto.
Quando o nosso PEC começar a doer, também nos darão grandes lições sobre os sacrifícios indispensáveis e inadiáveis que teremos que fazer. E mais nos dirão que é comer e calar, não venham aí as "agências de rating" (o novo papão) agravar ainda mais a nossa situação. Mas os que têm pago todas as crises (e sempre a ouvir sermões dos que não pagam) estarão pelos ajustes? Alguém se poderá admirar se os pagantes do costume não estiverem inteiramente conformados com a fatalidade e se o disserem com alguma veemência?
A luta de classes teima em não morrer, embora por vezes se apresente com formas subtis e até algo ingénuas, como "explica" Nuno Júdice no poema que a seguir se transcreve, incluído no seu último livro: "Guia de Conceitos Básicos":
NATUREZA MORTA COM MARX
As mulheres que traziam a fruta nos cestos, e
os pousavam no chão de pedra, em frente das casas,
para que as senhoras a pudessem escolher, só
sabiam o que era a luta de classes quando ouviam
discutir os preços que elas davam, e ou baixavam
ou não vendiam. Mas quando voltavam para o campo,
com os cestos mais do que vazios, pensavam noutras
coisas: no que as esperava nas casas onde
a doença entrava com o inverno, e no que poderia
acontecer se não chovesse, e as árvores secassem
de um ano para o outro. Nas casas das senhoras,
porém, o cesto de frura, em cima da mesa,
não fala destas coisas. E quando alguém ia tirar
as uvas, para as provar, o sabor nada tinha de amargo,
a não ser que, num breve instante, a imagem
das mãos que as apanharam, naquela madrugada,
não voltasse a trazer a ideia de luta
de classes para dentro do cesto.