20 julho 2010

 

Argumentário para um poder judicial barato

Longa catilinária escreveu ontem o Prof. Bacelar Gouveia no "Público" contra o poder judicial, não a propósito dos temas habituais da "crise da justiça", mas por andar a escapar-se à "lógica de redução de custos e de evitação de desperdícios".
Vale a pena acompanhar a argumentação.
Começa por insurgir-se com o facto de os vencimentos dos magistrados não terem sofrido a redução de 5 % que aingiu as remunerações dos titulares de cargos políticos. Reconhece, é certo, que o poder judicial não pode legislar, mas tal facto, em seu entender, não os absolve. E adianta: "O julgador do Estado Social possui também uma parcela criativa de Direito e por aí passa simultaneamente um mandato de contenção da despesa púlica, patente no modo como se preenchem conceitos indeterminados ou como se integram lacunas jurídicas." Daí passa a interpelar os conselhos superiores nestes termos: "Ainsa na perspectiva da actuação administrativa dos tribunais, seria interessante perguntar aos órgãos dirigentes das magistraturas que medidas eles próprios já tomaram para reduzir as despesas que dependem das suas próprias decisões."
Segue-se a denúncia, no quadro de uma "reavaliação das despesas com o poder judicial", do número excessivo de juízes nos tribuais supremos (incluindo o TC).
Para terminar, interpela a comunidade para "chamar à liça" o poder judicial, para que este não se julgue "imune ao esforço de todos os portugueses na superação da crise económico-financeira que nos aflige."
Vindo de quem vem, aflige esta argumentação anti-despesista típica de merceeiro (sem ofensa para essa distinta classe).
Vejamos, passo a passo:
Os magistrados não sofreram redução de vencimento? Quem tem a culpa? Deveriam os magistrados, perante a "omissão" de quem de direito, erguer-se em uníssino e exigir essa redução? (O Prof. Bacelar Gouveia, caso fosse magistrado, tê-lo-ia feito?) Deveriam os juízes ter usado da tal "parcela criativa" para reduzirem o seu vencimento?
Que história é essa de os magistrados deverem interpretar os conceitos indeterminados e as lacunas jurídicas segundo a "lógica da contenção da despesa pública"? Será que agora existe um princípio geral do direito assim chamado?
Os conselhos são desafiados a poupar ou a mostrar que pouparam. Mas poupar em quê? Em magistrados, em papel de escrita, em papel higiénico? Onde há desperdícios? É preciso dizer...
É certo que ele refere um caso: o do número de magistrados dos tribunais superiores. Ele acha que são de mais... Não pensa o Prof. que a redução drástica que ele preconiza (que não pouparia o TC) terá necessariamente repercussão na quantidade e na qualidade do serviço, e no próprio direito de acesso dos cidadãos a esses tribunais...
Mas isso que lhe importa? O que é preciso é poupar!
São constantes, variadas e conhecidas as acusações dirigidas ao poder judicial. Mas a de ser "gastador" é mesmo nova.
Esperemos que a catilinária exprima apenas um ponto de vista pessoal...





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)