22 novembro 2011
Uma proposta de reforma do processo penal
O último congresso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses aprovou genericamente uma proposta de reforma do processo penal, elaborada por um grupo de distintos juízes. Trata-se, diga-se, de uma proposta de invulgar qualidade e mérito, a merecer a atenção de quem de direito.
Aqui fica a minha despretensiosa leitura do documento, enviando um abraço àqueles que fazem integram ou já integraram este blogue.
Comentário às Linhas de Reforma do Processo Penal
Prazos de duração do inquérito
O direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (art. 32º, nº 2, da Constituição) é talvez aquele dos direitos da defesa que menos protecção recebe da lei ordinária, na medida em que a violação dos prazos do inquérito não envolve nenhuma outra consequência que não seja o fim do segredo interno (nº 6 do art. 89º do CPP) e a intervenção hierárquica prevista nos nºs 6 a 8do art. 276º do CPP, efeitos que não se têm mostrado suficientemente dissuasores da ultrapassagem frequente daqueles prazos.
Sendo certo que aqui se jogam, em contraposição, o interesse público e da vítima na perseguição da infracção, por um lado, e o interesse do arguido, por outro, importa, para salvaguarda daquele direito constitucional, encontrar mecanismos que obriguem efectivamente ao cumprimento dos prazos do inquérito, o que, possivelmente, só se conseguirá atribuindo à violação dos mesmos uma consequência processual.
Propõe-se que o incumprimento dos prazos determine a rejeição da acusação. Mas impõem-se diversos mecanismos prévios que visam acautelar os interesses da acusação, impondo, por um lado, a avocação do inquérito pelo superior hierárquico do MP, por outro lado, permitindo dilatar os prazos quando haja fundamento concreto para tal, quer com a tipificação de novas causas de suspensão, quer por decisão do juiz de instrução.
A proposta parece-me adequada. Sem efeito processual preclusivo do prosseguimento do processo, a violação do prazo do inquérito ficará sempre “impune” e defraudado o direito constitucional ao julgamento em prazo razoável. A consequência pode parecer demasiado “pesada” e desproporcional, mas os mecanismos de prevenção previstos afiguram-se adequados a dar protecção às situações em que os prazos se mostrem em concreto exíguos, salvaguardando assim os interesses da acusação, no necessário equilíbrio com os da defesa.
Só talvez a imposição da avocação do inquérito pelo superior hierárquico se mostre descabida, na medida em que a forma de intervenção hierárquica não deveria ser definida na lei processual, pois cabe ao próprio MP, como estrutura hierárquica, organizar-se internamente da forma que considerar mais adequada.
Simplificação/agilização dos inquéritos
Avança-se com a proposta de alargamento dos pressupostos de alguns processos especiais e institutos alternativos à acusação, concretamente, o alargamento do processo abreviado aos crimes puníveis com prisão até 8 anos, quer em flagrante delito, quer quando não houvesse necessidade de maior investigação; e ainda a possibilidade de arquivamento pelo MP, para além do caso de dispensa de pena (art. 280º do CPP), quanto a crimes puníveis com prisão até 5 anos, havendo reparação dos danos e o ofendido não se opuser.
Diga-se, preambularmente, que os processos especiais e os institutos alternativos à acusação vêm defraudando as expectativas, apesar das sucessivas ampliações dos seus pressupostos de aplicação. Basta ver as estatísticas constantes dos relatórios anuais da PGR, por exemplo de 2005 a 2009, último divulgado, para constatar a estabilização dos números referentes a esses meios alternativos. Note-se que concretamente a elevação do âmbito de aplicação do processo sumaríssimo para os crimes puníveis com prisão até 5 anos (anteriormente 3 anos), com a revisão de 2007, não produziu qualquer efeito positivo. Só a suspensão provisória do processo vem “progredindo”, embora muito lentamente. Em geral, todos os institutos alternativos têm uma expressão pouco mais do que residual no contexto geral dos inquéritos encerrados.
A questão não estará, creio bem, no plano legislativo, que é suficientemente amplo para acolher um número muito significativo de situações.
O bloqueio situar-se-á, a meu ver, no plano da “cultura judiciária”, concretamente da cultura do MP, que tende a burocratizar-se, a tratar todos os casos por igual, sem recorrer aos mecanismos alternativos que a lei faculta.
É muito possivelmente por isso que os “alargamentos” legislativos não têm tra-dução na prática judiciária, não sendo, pois, razoavelmente de esperar que um novo alargamento venha constituir a solução milagrosa do problema.
Mas existe ainda um obstáculo maior à ampliação dos pressupostos do processo abreviado, tal como em proposto. É que, em meu entender, os processos alternativos ao comum devem circunscrever-se à pequena e média criminalidade, não abarcando, pois, os crimes cuja moldura exceda 5 anos de prisão. Ainda que a investigação do caso se mostre simples e a prova evidente, ainda assim, a uma moldura pesada deve corresponder sempre um processo mais solene! A simplificação tem os limites impostos pelos direitos de defesa, pela dignidade da pessoa humana, afinal.
Já não me choca a outra proposta citada, que se situa no âmbito da pequena/média criminalidade, embora duvide da sua eficácia…
Pena consensual
Aqui a minha discordância é frontal e radical. Adianto: qualquer forma de nego-ciação da pena constitui a degradação do processo penal, a sua administrativização inevitável.
As “virtudes” do sistema foram aliás completamente postas a nu no famoso “caso Dominique”. A “plea bargaining” é boa para os “ricos”, os únicos que conseguem discutir em plano de igualdade com o MP…
A “plea bargaining” é um outro modelo de processo penal, que faz do julgamento a excepção, um “luxo” do sistema.
Em tal sistema, o processo penal não é propriamente judicial, é um capítulo menor do sistema de segurança interna, administrado por um MP policial…
Claro que a proposta não propõe a reprodução integral do sistema americano, elimina alguns dos seus piores vícios.
Em todo o caso, quais os fins de política criminal que visaria a “negociação” do MP? Qual seria o mandato, qual o mandante (a AR? o Governo? O PGR?)? Qual a legitimidade da acção do MP? Tem-se presente a experiência, completamente frustrada das “leis de política criminal” até agora editadas? E o estatuto constitucional do MP? Manteria a autonomia? E outros problemas haverá…
Soluções de desjudiciarização e de diversão já a nossa legislação tem! Com fracos resultados, sublinhe-se. Para quê este “salto em frente” (e no escuro)?
Penso que o que há a fazer não é no plano legislativo, mas sim no da cultura judiciária, sobretudo na do MP, abandonando procedimentos burocráticos, utilizando os procedimentos alternativos que a lei lhe confere, assumindo a necessidade de tratar de forma diferente o que é diferente! Problemas de formação judiciária e de organização hierárquica…
Instrução
A proposta avançada – redução da instrução ao debate instrutório - parece-me incontestável.
Como é por de mais sabido, a instrução vem sendo abusivamente utilizada como forma de retardar a marcha do processo.
O legislador tem assumido posições contraditórias, por um lado, conferindo maiores poderes ao juiz de instrução para “pôr ordem” na instrução, eliminando a realização de quaisquer diligências inúteis ou dilatórias, mas, por outro lado, assimilando o debate instrutório à audiência de julgamento.
A redução da instrução ao essencial - debate instrutório – tendo como finalidade exclusiva a apreciação da prova recolhida no inquérito e as nulidades e questões prévias ou incidentais constitui condição essencial para reconduzir a instrução à sua natureza de fase de comprovação da decisão de acusar ou arquivar o inquérito. Essencial também rever o regime da publicidade e da alteração substancial dos factos.
Julgamento
Completamente em desacordo com a dita “sentença abreviada”, que seria uma sentença sem fundamentação, ou seja, uma não-sentença.
Não vale a pena enfatizar o valor da fundamentação, que é aliás uma imposição constitucional (art. 205º, nº 1, da Constituição).
Toda a “simplificação” da sentença que vá nesse sentido redundará na sua fragi-lização/deslegitimação.
O mesmo se dirá de propostas já por vezes anunciadas para abrir a possibilidade de sentenças/formulário (preenchido com cruzinhas, tipo totoloto).
Esperemos que nunca a administração da justiça chegue a estes extremos funcionalistas. Se aí chegar, não serão necessários juízes, o escrivão fará a sentença…
Já a proposta de valoração em audiência das declarações prestadas pelo arguido perante o juiz de instrução se mostra essencial para a boa administração da justiça, sendo a solução actual manifestamente excessiva de “garantismo”, conducente a soluções manifestamente injustas e incompreensíveis para a população em geral.
É evidente que a relevância das declarações impõe garantias de defesa do arguido, sendo as propostas no texto adequadas e proporcionais.
Trata-se de uma reforma necessária e urgente.
Recursos
Parecem-me inteiramente justas, razoáveis e até necessárias as propostas no domínio dos recursos.
O recurso (suspensivo) para o Tribunal Constitucional tem sido abusivamente utilizado como meio dilatório do trânsito das decisões condenatórias, provocando por vezes situações de pouca transparência quanto à exequibilidade da decisão recorrida, como recentemente aconteceu num caso muito conhecido. Por isso, mostra-se inteiramente justo que, sendo a decisão recorrida confirmativa da condenação anterior, o recurso deva ter efeito meramente devolutivo.
São igualmente justas as outras duas propostas: a possibilidade/obrigatoriedade de conhecimento de nulidades da decisão final por parte do tribunal recorrido; e o conhecimento pelo tribunal de recurso de todas as questões suscitadas, quando haja anulação da sentença, sempre que, evidentemente, do processo constem todos os elementos que o permitam.
Trata-se de soluções económicas do ponto de vista processual e que não brigam com a boa administração da justiça.
Defesa oficiosa
A defesa oficiosa constitui possivelmente o maior problema que a justiça enfrenta, embora habitualmente assim não se entenda, ou não se afirme. Na verdade, é através da desigualdade na assistência judiciária que se produz a “justiça desigual”, de que tanto se fala (e não pela acção do tribunal, ao contrário do que o “sentimento popular”, mal informado, parece pensar).
A defesa oficiosa sempre foi em Portugal um meio insuficiente para conferir aos cidadãos carenciados economicamente os instrumentos de defesa adequados para os colocar em plano de igualdade com os “ricos”.
A defesa oficiosa actual serve, possivelmente a maior parte das vezes, apenas para preencher um formalismo vazio de efectiva protecção dos patrocinados, apesar de o Estado despender elevados recursos com esse “formalismo”.
A proposta avançada – defesa assegurada por advogados independentes, não funcionários, recrutados por concurso, sendo o sistema gerido por uma comissão públi-ca independente, e não pela Ordem dos Advogados (instituição que não tem – não deve ter – vocação para funcionar como entidade “empregadora”) – mostra-se uma solução engenhosa e apta a prosseguir finalmente uma defesa oficiosa eficaz.
Aqui fica a minha despretensiosa leitura do documento, enviando um abraço àqueles que fazem integram ou já integraram este blogue.
Comentário às Linhas de Reforma do Processo Penal
Prazos de duração do inquérito
O direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (art. 32º, nº 2, da Constituição) é talvez aquele dos direitos da defesa que menos protecção recebe da lei ordinária, na medida em que a violação dos prazos do inquérito não envolve nenhuma outra consequência que não seja o fim do segredo interno (nº 6 do art. 89º do CPP) e a intervenção hierárquica prevista nos nºs 6 a 8do art. 276º do CPP, efeitos que não se têm mostrado suficientemente dissuasores da ultrapassagem frequente daqueles prazos.
Sendo certo que aqui se jogam, em contraposição, o interesse público e da vítima na perseguição da infracção, por um lado, e o interesse do arguido, por outro, importa, para salvaguarda daquele direito constitucional, encontrar mecanismos que obriguem efectivamente ao cumprimento dos prazos do inquérito, o que, possivelmente, só se conseguirá atribuindo à violação dos mesmos uma consequência processual.
Propõe-se que o incumprimento dos prazos determine a rejeição da acusação. Mas impõem-se diversos mecanismos prévios que visam acautelar os interesses da acusação, impondo, por um lado, a avocação do inquérito pelo superior hierárquico do MP, por outro lado, permitindo dilatar os prazos quando haja fundamento concreto para tal, quer com a tipificação de novas causas de suspensão, quer por decisão do juiz de instrução.
A proposta parece-me adequada. Sem efeito processual preclusivo do prosseguimento do processo, a violação do prazo do inquérito ficará sempre “impune” e defraudado o direito constitucional ao julgamento em prazo razoável. A consequência pode parecer demasiado “pesada” e desproporcional, mas os mecanismos de prevenção previstos afiguram-se adequados a dar protecção às situações em que os prazos se mostrem em concreto exíguos, salvaguardando assim os interesses da acusação, no necessário equilíbrio com os da defesa.
Só talvez a imposição da avocação do inquérito pelo superior hierárquico se mostre descabida, na medida em que a forma de intervenção hierárquica não deveria ser definida na lei processual, pois cabe ao próprio MP, como estrutura hierárquica, organizar-se internamente da forma que considerar mais adequada.
Simplificação/agilização dos inquéritos
Avança-se com a proposta de alargamento dos pressupostos de alguns processos especiais e institutos alternativos à acusação, concretamente, o alargamento do processo abreviado aos crimes puníveis com prisão até 8 anos, quer em flagrante delito, quer quando não houvesse necessidade de maior investigação; e ainda a possibilidade de arquivamento pelo MP, para além do caso de dispensa de pena (art. 280º do CPP), quanto a crimes puníveis com prisão até 5 anos, havendo reparação dos danos e o ofendido não se opuser.
Diga-se, preambularmente, que os processos especiais e os institutos alternativos à acusação vêm defraudando as expectativas, apesar das sucessivas ampliações dos seus pressupostos de aplicação. Basta ver as estatísticas constantes dos relatórios anuais da PGR, por exemplo de 2005 a 2009, último divulgado, para constatar a estabilização dos números referentes a esses meios alternativos. Note-se que concretamente a elevação do âmbito de aplicação do processo sumaríssimo para os crimes puníveis com prisão até 5 anos (anteriormente 3 anos), com a revisão de 2007, não produziu qualquer efeito positivo. Só a suspensão provisória do processo vem “progredindo”, embora muito lentamente. Em geral, todos os institutos alternativos têm uma expressão pouco mais do que residual no contexto geral dos inquéritos encerrados.
A questão não estará, creio bem, no plano legislativo, que é suficientemente amplo para acolher um número muito significativo de situações.
O bloqueio situar-se-á, a meu ver, no plano da “cultura judiciária”, concretamente da cultura do MP, que tende a burocratizar-se, a tratar todos os casos por igual, sem recorrer aos mecanismos alternativos que a lei faculta.
É muito possivelmente por isso que os “alargamentos” legislativos não têm tra-dução na prática judiciária, não sendo, pois, razoavelmente de esperar que um novo alargamento venha constituir a solução milagrosa do problema.
Mas existe ainda um obstáculo maior à ampliação dos pressupostos do processo abreviado, tal como em proposto. É que, em meu entender, os processos alternativos ao comum devem circunscrever-se à pequena e média criminalidade, não abarcando, pois, os crimes cuja moldura exceda 5 anos de prisão. Ainda que a investigação do caso se mostre simples e a prova evidente, ainda assim, a uma moldura pesada deve corresponder sempre um processo mais solene! A simplificação tem os limites impostos pelos direitos de defesa, pela dignidade da pessoa humana, afinal.
Já não me choca a outra proposta citada, que se situa no âmbito da pequena/média criminalidade, embora duvide da sua eficácia…
Pena consensual
Aqui a minha discordância é frontal e radical. Adianto: qualquer forma de nego-ciação da pena constitui a degradação do processo penal, a sua administrativização inevitável.
As “virtudes” do sistema foram aliás completamente postas a nu no famoso “caso Dominique”. A “plea bargaining” é boa para os “ricos”, os únicos que conseguem discutir em plano de igualdade com o MP…
A “plea bargaining” é um outro modelo de processo penal, que faz do julgamento a excepção, um “luxo” do sistema.
Em tal sistema, o processo penal não é propriamente judicial, é um capítulo menor do sistema de segurança interna, administrado por um MP policial…
Claro que a proposta não propõe a reprodução integral do sistema americano, elimina alguns dos seus piores vícios.
Em todo o caso, quais os fins de política criminal que visaria a “negociação” do MP? Qual seria o mandato, qual o mandante (a AR? o Governo? O PGR?)? Qual a legitimidade da acção do MP? Tem-se presente a experiência, completamente frustrada das “leis de política criminal” até agora editadas? E o estatuto constitucional do MP? Manteria a autonomia? E outros problemas haverá…
Soluções de desjudiciarização e de diversão já a nossa legislação tem! Com fracos resultados, sublinhe-se. Para quê este “salto em frente” (e no escuro)?
Penso que o que há a fazer não é no plano legislativo, mas sim no da cultura judiciária, sobretudo na do MP, abandonando procedimentos burocráticos, utilizando os procedimentos alternativos que a lei lhe confere, assumindo a necessidade de tratar de forma diferente o que é diferente! Problemas de formação judiciária e de organização hierárquica…
Instrução
A proposta avançada – redução da instrução ao debate instrutório - parece-me incontestável.
Como é por de mais sabido, a instrução vem sendo abusivamente utilizada como forma de retardar a marcha do processo.
O legislador tem assumido posições contraditórias, por um lado, conferindo maiores poderes ao juiz de instrução para “pôr ordem” na instrução, eliminando a realização de quaisquer diligências inúteis ou dilatórias, mas, por outro lado, assimilando o debate instrutório à audiência de julgamento.
A redução da instrução ao essencial - debate instrutório – tendo como finalidade exclusiva a apreciação da prova recolhida no inquérito e as nulidades e questões prévias ou incidentais constitui condição essencial para reconduzir a instrução à sua natureza de fase de comprovação da decisão de acusar ou arquivar o inquérito. Essencial também rever o regime da publicidade e da alteração substancial dos factos.
Julgamento
Completamente em desacordo com a dita “sentença abreviada”, que seria uma sentença sem fundamentação, ou seja, uma não-sentença.
Não vale a pena enfatizar o valor da fundamentação, que é aliás uma imposição constitucional (art. 205º, nº 1, da Constituição).
Toda a “simplificação” da sentença que vá nesse sentido redundará na sua fragi-lização/deslegitimação.
O mesmo se dirá de propostas já por vezes anunciadas para abrir a possibilidade de sentenças/formulário (preenchido com cruzinhas, tipo totoloto).
Esperemos que nunca a administração da justiça chegue a estes extremos funcionalistas. Se aí chegar, não serão necessários juízes, o escrivão fará a sentença…
Já a proposta de valoração em audiência das declarações prestadas pelo arguido perante o juiz de instrução se mostra essencial para a boa administração da justiça, sendo a solução actual manifestamente excessiva de “garantismo”, conducente a soluções manifestamente injustas e incompreensíveis para a população em geral.
É evidente que a relevância das declarações impõe garantias de defesa do arguido, sendo as propostas no texto adequadas e proporcionais.
Trata-se de uma reforma necessária e urgente.
Recursos
Parecem-me inteiramente justas, razoáveis e até necessárias as propostas no domínio dos recursos.
O recurso (suspensivo) para o Tribunal Constitucional tem sido abusivamente utilizado como meio dilatório do trânsito das decisões condenatórias, provocando por vezes situações de pouca transparência quanto à exequibilidade da decisão recorrida, como recentemente aconteceu num caso muito conhecido. Por isso, mostra-se inteiramente justo que, sendo a decisão recorrida confirmativa da condenação anterior, o recurso deva ter efeito meramente devolutivo.
São igualmente justas as outras duas propostas: a possibilidade/obrigatoriedade de conhecimento de nulidades da decisão final por parte do tribunal recorrido; e o conhecimento pelo tribunal de recurso de todas as questões suscitadas, quando haja anulação da sentença, sempre que, evidentemente, do processo constem todos os elementos que o permitam.
Trata-se de soluções económicas do ponto de vista processual e que não brigam com a boa administração da justiça.
Defesa oficiosa
A defesa oficiosa constitui possivelmente o maior problema que a justiça enfrenta, embora habitualmente assim não se entenda, ou não se afirme. Na verdade, é através da desigualdade na assistência judiciária que se produz a “justiça desigual”, de que tanto se fala (e não pela acção do tribunal, ao contrário do que o “sentimento popular”, mal informado, parece pensar).
A defesa oficiosa sempre foi em Portugal um meio insuficiente para conferir aos cidadãos carenciados economicamente os instrumentos de defesa adequados para os colocar em plano de igualdade com os “ricos”.
A defesa oficiosa actual serve, possivelmente a maior parte das vezes, apenas para preencher um formalismo vazio de efectiva protecção dos patrocinados, apesar de o Estado despender elevados recursos com esse “formalismo”.
A proposta avançada – defesa assegurada por advogados independentes, não funcionários, recrutados por concurso, sendo o sistema gerido por uma comissão públi-ca independente, e não pela Ordem dos Advogados (instituição que não tem – não deve ter – vocação para funcionar como entidade “empregadora”) – mostra-se uma solução engenhosa e apta a prosseguir finalmente uma defesa oficiosa eficaz.