03 abril 2013
Política e justiça
A
propósito da tão discutida (nos últimos
dias) judicialização da política, sobretudo por causa da lei dos mandatos autárquicos,
mas também da questão por alguns levantada (esterilmente) da convocada intervenção
do Tribunal Constitucional no que diz respeito à apreciação da constitucionalidade
da Lei do Orçamento, como se houvesse aí uma indesejada imiscuição do poder
judicial na esfera política e uma infracção à regra da separação dos poderes, andei à cata
de uma antiga crónica minha publicada no Jornal de Notícias, até que a encontrei.
É de 30/10/2003.
Para
se ver que a questão é antiga.
O
artigo é bastante sucinto, por força das limitações de espaço que me foram impostas
na altura, mas é, a meu ver, suficientemente revelador.
Ei-lo:
Política
e Justiça
Seria
um debate muito fascinante esse das relações entre a política e a justiça – um
debate que tem vindo crescentemente a ser objecto de estudos no âmbito
académico. Falou-se entre nós de politização da justiça e de judicialização da
política e logo a comunicação social afinou praticamente toda pelo mesmo
diapasão: não à politização da justiça e não à judicialização da política. Mas
o problema é demasiado complexo para ser tratado dessa maneira tão simplista.
A
politização da justiça é um facto, sem que signifique necessariamente uma
imiscuição do poder político no poder judicial, ou mais concretamente na
independência dos juízes, essa sim de salvaguardar a todo o custo. Não é por
acaso que se diz que a tão glosada «crise da justiça», comum a praticamente
todos os países democráticos ocidentais, é a «crise política da justiça», nela
estando implicado o tradicional isolamento do poder judicial e o seu
tradicional ensimesmamento corporativo, a reclamar uma maior abertura e
permeabilização aos princípios democráticos e de soberania popular.
O
mesmo se diga em relação à judicialização da política. Esta não é um fenómeno
resultante de qualquer voluntarismo. É uma realidade que não adianta negar. Se
não, veja-se o papel do Tribunal Constitucional, a função do Tribunal de
Contas, os chamados crimes de responsabilidade politica, a delegação crescente
do poder de legislar em órgãos técnicos especializados, gerando uma
complexidade normativa, que tantas vezes o juiz moderno é convocado a
interpretar de forma criadora. Veja-se o que o académico Ralf Dahrendorf
escreveu sobre o tema num artigo chamado «A era dos juízes» («Público» de
19/8/2003).