07 novembro 2013
A Europa usurária
Um tema omnipresente nas
instâncias políticas portuguesas é o de que vivemos com soberania limitada, por
causa das condições que nos são impostas pela troika. A governação do país
serve-se, aliás, disso para justificar todas as politicas de retrocesso.
Nessa linha, o
vice-primeiro-ministro, aquando da apresentação do seu famoso guião da reforma
do Estado, chegou a comparar a situação à perda da independência, em 1580, e a
saída da troika, à restauração da mesma independência, que equiparou a 1640.
Ora, a troika é
composta por três entidades: a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o
FMI. Duas dessas entidades são, portanto, instituições da União Europeia.
Sabemos como a troika
tem agido connosco: uma inflexibilidade a toda a prova, ao mesmo tempo que
passa a vida a exigir flexibilidade, ou seja, recuo da legislação laboral, retrocesso
nos salários, nas pensões e nas prestações sociais, desmantelamento do Estado
social.
Se é verdade que o FMI não
é uma instituição europeia, também é verdade que Bruxelas se tornou o símbolo
dessa inflexibilidade, não recuando um milímetro nas exigências do cumprimento
das metas da dívida e até mais do que isso: nas exigências de uma austeridade
asfixiante e destruidora de todos os avanços conseguidos em matéria dos
direitos económicos, sociais e culturais. Há mesmo certas personalidades do
grupo dos eurocratas de Bruxelas que se tornaram sinistras pelo modo como
manifestam essas exigências, na defesa intransigente dos interesses dos
credores e dos seus juros, contra os mais elementares direitos de uma vida
digna para os portugueses.
É afrontoso que um
chefe da troika, que defende o aumento da idade da reforma para países como o
nosso, para além das medidas de austeridade referidas, se tenha reformado há
poucos dias com 61 anos de idade, com uma pensão de reforma que rondará os €
10.000,00, continuando a trabalhar como conselheiro e auferindo por isso mais
uma batelada todos os meses.
É caso para perguntar
que raio de Europa é esta que nos esmifra desta maneira e que nos põe a pata em
cima. Uma Europa que o vice-primeiro-ministro diz querer ver pelas costas,
saudando a saída de duas das principais instituições que compõem a troika como
a recuperação da nossa independência.
É caso para perguntar
por quê tanta vassalagem para com estas entidades e tanta tibieza nas
negociações com elas. E por quê tanto afã dos países periféricos em manterem-se separados uns dos outros, em vez
de se juntarem e fazerem frente a esta Europa usurária, como lhe chamou,
premonitoriamente, Miguel Torga, no derradeiro volume do seu Diário: “Tenho como certo que Maastricht
há-de ser uma nódoa indelével na memória da Europa, envergonhada de, no curso da sua gloriosa história, ter trocado
neste triste momento o calor do seu génio criador pela febre usurária e, nas
próprias assembleias onde prega a boa nova das regras comunitárias, fintar de
mil maneiras os parceiros”.