04 março 2014

 

Padre Antonio Vieira


 

 

Todos fazíamos bem em ler Padre António Vieira. Porventura, em tê-lo sempre à mão e à cabeceira da cama. E as escolas incentivando a sua leitura, se não houvesse a política educativa de banir grande parte dos clássicos, em prol do facilitismo. Não só por causa do vernáculo e do uso correcto da língua, que tão maltratada anda na comunicação social, nos discursos oficiais e no linguajar comum, mas também pela profundidade e subtileza do seu pensamento e pela justeza e eficácia dos seus juízos sobre tantos assuntos ainda actuais: as desigualdades sociais, a exploração desenfreada de uns sobre outros, a corrupção, o tráfico de influências, o desfasamento entre um cristianismo oficial de fachada e a prática corrente nos negócios do Estado, nas relações sociais, no tratamento com povos submetidos ao nosso império colonial, não falando já da extrema desumanidade da escravatura.

Todos os poderosos da terra, os detentores de riqueza, os senhores do mando, muitas vezes representados pelo ceptro e pela coroa, mas, de uma forma geral, todos os que exerciam formas de poder, incluindo o poder eclesiástico, sem esquecer os papas, foram objecto das suas percucientes críticas e, não raras vezes, terríveis objurgatórias.

Os governantes, em particular, carregava-os ele de grandíssimas responsabilidades, confrontando-os com as severas consequências dos seus actos e omissões, incluindo as que eles próprios haveriam de sofrer com a perdição das suas almas:

«E como os que governam, pelas obrigações dos seus mesmos ofícios e pelas omissões que neles cometem, e pelos danos que por vários modos causam a tantos, os quais danos não param ali, mas se continuam e multiplicam em suas consequências, têm tão dificultosa a salvação, por isso São Crisóstomo, falando lisa, sincera e moralmente, sem encarecimento nem hipérbole, disse que ele se admirava muito e não podia entender como era possível que algum dos que governam se salve: Miror, an fieri possit, ut aliquis ex rectoribus sit salvus.»

Imagine-se o efeito destas palavras a caírem do púlpito na Capela Real, no sermão que aí proferiu na primeira dominga do Advento, no ano de 1650.

Haveria hoje alguém capaz e com coragem de proferir palavras de teor semelhante a muitos dos que, cristianíssimos, tiveram ou têm graves responsabilidades na condução da coisa pública?





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