19 março 2014
Uma justiça para ricos e outra para pobres
A
questão da prescrição do procedimento no caso “Jardim Gonçalves” tem de ser
esclarecida e, para isso, já o Conselho Superior da Magistratura anunciou, há
vários dias, a abertura de um inquérito. Idêntica intenção foi anunciada
recentemente por grupos parlamentares da Assembleia da República.
Sem
esse esclarecimento, que possibilitará o conhecimento das razões do arquivamento
do processo e a descoberta do ou dos responsáveis, se acaso tiver havido
negligência ou entrave à acção da justiça por parte de alguém, nada feito. Até
lá, é prematuro e até demagógico tirar conclusões, assim como não adianta
recorrer ao “chavão” de uma “justiça para ricos e outra para pobres”.
Claro
que há uma justiça para ricos e outra para pobres, mas isso deve-se
fundamentalmente ao “sistema”, não só de justiça, mas também da estruturação
social, com a desigual distribuição de meios, a começar pelos económicos, pelos
diversos utentes dos serviços de justiça, projectando-se na actuação judiciária
de cada qual. Na sociedade portuguesa, onde existe um grande fosso entre ricos
e pobres e uma grande clivagem de classes sociais, essa dicotomia judicial é
mais nítida do que em outros países. É possível, corrigi-la, mas nunca, segundo
penso, bani-la por completo. De qualquer forma, isso compete ao poder político
e, nomeadamente ao poder legislativo, o que não significa que os chamados “operadores
judiciários”, desde os magistrados aos advogados e outros intervenientes, não
possam, pela sua acção ou omissão, pela sua deficiente percepção das situações
e pela sua falta de sensibilidade social e profissional, potenciar as
disfunções do “sistema”.
Porém,
se se concluir pela existência de responsabilidade de qualquer dos
intervenientes, nomeadamente apontando para um comportamento censurável,
segundo as normas deontológicas da função específica de cada um, então a
responsabilidade é apenas desses e não do “sistema”, que privilegia os “ricos”
e discrimina os “pobres”.
Em
qualquer dos casos, não se atire o labéu sobre todo um universo de
profissionais.
É
que em Portugal (e, se calhar, não é exclusivo nosso) existe muito o hábito de
discutir abstractamente problemas concretos, a partir de uma impressão ou de precipitadas
tomadas de posição por órgãos da comunicação social. Discute-se sem se saber
o quê, discute-se antes de se ter os
dados da situação, discute-se mesmo prescindindo desses dados. Na verdade, a
celeridade que falta à justiça e que constitui, segundo se diz, um dos seus
principais calcanhares de Aquiles, é, na comunicação social, uma fonte de
confusão e demagogia.