12 março 2014
A fidelidade à palavra
O que há de pior na política que
tem vindo a ser seguida não é a falta de fidelidade aos princípios
estruturantes da nossa sociedade, o que tem levado à maior colecção de
inconstitucionalidades de que há memória; é a falta de fidelidade à palavra.
Esta deixou de ter qualquer valor, dizendo-se hoje uma coisa e amanhã outra,
com a facilidade com que se muda de camisa.
Digamos que a falta de fidelidade
à palavra é também uma falta de fidelidade aos princípios, mas de natureza mais
grave, porque os princípios em causa, neste caso, são os mais elementares
princípios em que assenta toda a convivência humana, todo o fundamento de
confiança e de credibilidade e, por isso, anteriores, mas subjacentes a toda a
ordem jurídico-constitucional e democrática.
O que se tem passado com os
cortes de pensões e salários é disso um tristíssimo exemplo. Apresentados a
princípio para terem efeito durante um ano (a que respeitava o orçamento),
foram depois renovados, mas dizendo-se
que seriam para vigorar até ao fim do memorando de entendimento com a
troika, depois, para serem executados indefinidamente, mas sempre com carácter
transitório, uma vez que desapareceriam quando houvesse possibilidades,
finalmente, para serem definitivos, pois não seria pensável regressar aos vencimentos
e pensões de 2011.
Enfim, uma trapalhada dando a
impressão que tudo o que se declarou a propósito da transitoriedade foi
pré-ordenadamente concebido para engodar as pessoas e conseguir um objectivo de antemão fixado, mas
escondendo-o dos interessados/vítimas da medida e do próprio Tribunal
Constitucional, ao qual se tentou fazer crer, antes deste anúncio da
definitividade, que os cortes eram excepcionais, transitórios e para serem
repostos.
Porém, ao mesmo tempo, há nisto uma contradição, que
sugere leviandade, a qual também pode explicar o pouco ou nenhum apreço pela
palavra: é o facto de ainda estar pendente de decisão do Tribunal
Constitucional a lei do orçamento que prevê a continuação dos cortes, com
suporte em argumentos de transitoriedade da medida.