22 agosto 2014

 

BES: a propósito de um artigo de jornal

O "Público" de ontem inseria um interessante artigo de Boaventura Sousa Santos e Conceição Gomes intitulado: "O caso BES: o teste de stress à justiça portuguesa", que vale a pena comentar. Estranho antes de mais o recurso à linguagem do capitalismo financeiro ("teste de stress")... Poderá ser (ou tentar ser) uma imagem literária ou um recurso estilístico irónico, mas é de mau gosto. Deixemos o stress e os seus testes para a gente do FMI e similares... Mas vamos ao que realmente importa. Depois de um intróito com evidentes laivos populistas (a tão glosada "impunidade dos poderosos"), os autores concentram-se em apresentar algumas sugestões (ou "exigências") ao MP e aos tribunais. E é essa parte do artigo que é digna de atenção. A primeira é a criação de uma equipa de investigação chefiada pelo MP e constituída por magistrados e agentes policiais e por peritos. Este ponto é verdadeiramente essencial. Foi trabalhando assim que o MP italiano conduziu o caso "Mani pulite", com os resultados que se conhecem. Uma equipa coesa, com direção clara de um magistrado do MP, multidisciplinar, atuando segundo uma estratégia previamente definida, e eliminando procedimentos burocráticos que atrasam o andamento da investigação. Segundo foi noticiado, a PGR já nomeou uma equipa com estas características. Terá pois sido escolhido o caminho certo... Este deverá ser o método de trabalho em todos os "casos difíceis". A complexidade da investigação não se compadece com a utilização de métodos tradicionais e rotineiros de investigação. O MP, em definitivo, tem de fazer a filtragem da criminalidade, aplicando massivamente os processos alternativos (nomeadamente a suspensão provisória do processo) na pequena criminalidade, para concentrar-se na grande criminalidade. A diretiva emitida há algum tempo pela PGR sobre a suspensão provisória do processo aponta também no bom caminho, embora os resultados não sejam ainda visíveis. Outro aspeto importante apontado pelos autores do artigo é a necessidade de um cumprimento rigoroso do prazos processuais, mesmo que não perentórios. A investigação, o inquérito, deve primar não só pela eficiência como pela qualidade. Há sempre o risco, nas investigações complexas, de cometimento de nulidades, nomeadamente de excesso de prazos. Mas o MP tem que nos habituar a um rigor superlativo, para mais num processo como este, que será um dos mais mediatizados de sempre (dentro e até fora de fronteiras, possivelmente), e que pode inaugurar uma nova fase na "justiça" portuguesa. Um outro aspeto referido pelos autores é o da necessidade de, na fase de julgamento, "disponibilizar formação especializada obrigatória a todos os magistrados que poderão vir a julgar este tipo de criminalidade, bem como a assessoria técnica". Ora bem: a ideia parece justa, mas não é. A assessoria técnica, sim, obviamente. Mas não a "formação especializada" dos juízes. Se a formação complementar dos juízes, efetuada com regularidade no CEJ, é uma medida essencial para a sua atualização, já a formação "especializada" destinada aos eventuais julgadores de um caso concreto me parece uma ideia completamente disparatada e até perigosa, porque os juízes dos tribunais criminais não podem ser especializados em tipos de crimes (juízes para a criminalidade eonómica, juízes para a corrupção, juízes para os homicídios, juíze(a)s para a violência doméstica, juízes para a droga...). Eles terão de saber julgar todo o tipo de crimes. E onde sobrevierem especiais dificuldades ténicas, aí entra a assessoria, e não juízes "especializados", que seriam uma espécie de tribunais especiais... Já a ideia de o CSM dever acompanhar o julgamento, para verificar o cumprimento dos prazos e dos princípios de gestão processual, parece-me ótima. Temos exemplos recentes (e nem vale a pena individualizar) de arrastamento intolerável de julgamentos e de carência evidente de capacidade de gestão do julgamento. Aqui é preciso também inovar, para melhor, evidentemente. Era também importante, digo eu, uma esforço da comunicação social para melhorar a qualidade da informação. Será possível? Voltando ao artigo, concordo com os autores na ideia que o "sistema judicial" deve atuar com responsabilidade democrática, e que este caso, pela sua especial relevância, não pode arrastar-se indefinidamente e apagar-se ingloriamente, como aconteceu com outros. É incontestável, digo eu agora, que os olhos de toda a gente estão postos na "justiça". E esta tem de responder com a celeridade imposta pelos prazos processuais, respeitando todos as regras e princípios, proferindo no final uma decisão transparente e fundamentada.





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