30 outubro 2014

 

Os direitos humanos segundo o governo de Cameron

O governo inglês vai deixar de participar nas missões de salvamento de barcos de imigrantes africanos que naufragam na travessia do Mediterrâneo. A explicação é simples e perentória: essas missões "criam involutariamente um fator de atração que encoraja mais imigrantes a tentar a perigosa travessia e, com isso, leva a mais mortes trágicas e desnecessárias". Portanto, a solução é deixar morrer os que tentam a "perigosa travessia", deixá-los morrer o mais possível, idealmente deixar morrer todos aqueles atrevidos que tentam alcançar a Europa (sabendo que o lugar que deus lhes deu é a selva), para que os outros aprendam a lição e definitivamente deixem os brancos em paz. Os brancos quando precisam dos pretos sabem onde os podem ir buscar.

20 outubro 2014

 

O sindicato dos políticos

Mário Soares, presidente honorário do "sindicato dos políticos" (associação de facto, que não de direito, pois tem horror ao mesmo), foi dar um abraço de solidariedade ao "injustiçado" Isaltino. Esqueceram-se divergências políticas, o que os une é mais forte do que os separa: a pertença à mesma classe profissional, agora aparentemente menos protegida da "impunidade" contra a qual clamam os mesmos políticos quando se julgam a salvo de qualquer perigo. O abraço sindical não terá sido uma mera casualidade, mas um sinal "forte" do "pai da democracia" de que já basta de desaforo dos tribunais (dois ex-ministros condenados nos últimos tempos, irra!).

19 outubro 2014

 

A política e o strip tease


Na política, autenticidade e verdade não são conceitos operativos. Dia a dia constatamos isso. Os políticos, de uma forma geral, bem querem parecer autênticos e verdadeiros; bem querem  apresentar-se tal como dizem ser, em plena transparência, sem disfarces, encarnar «a nudez forte da verdade», sem «o manto diáfano da fantasia». Sintomaticamente, um termo novo apareceu recentemente na linguagem política: fazer o strip tease da sua vida. Ou seja, mostrar-se totalmente nu, sem medo das partes pudibundas e de quaisquer sujidades íntimas.

O tema  começou por aparecer de forma negativa pela boca do primeiro-ministro, a propósito da recente polémica sobre o caso de ele ter ou não ter recebido proventos de uma empresa para a qual trabalhava,  ao mesmo tempo que era deputado da Assembleia da República, alegadamente em exclusividade de funções. Conforme disse, ele não ia fazer o strip tease das suas contas bancárias. Mas logo surgiu um novel político, criador de um novo partido, que se dispôs imediatamente a fazer o strip tease das suas próprias contas, mas nunca revelou, afinal, aquela parte do subsídio de reintegração, que muita gente lhe pediu para pôr ao léu.

Outra variante da aparência de autenticidade e de verdade com que se está na política é simular desinteresse pelas consequências negativas que possam advir para o próprio ou para o partido que representa da aplicação das medidas que, por justas, adequadas e necessárias, não possam deixar de ser tomadas. É dizer que se está nas tintas para as eleições, que se não governa com fins eleitorais.

Acontece é que isto é logo desmentido por um jogo nem sempre subtil (até, às vezes, demasiado ostensivo) de dissimulações, com que tais desinteressados políticos pretendem encobrir as reais intenções eleitorais que os animam.

Em suma, não há forma de os nossos políticos se determinarem a exibir a “nudez forte da verdade», procurando é acobertar-se sob o manto grosseiro do disfarce.

07 outubro 2014

 

Um paladino da "guerra justa"

Não vou falar de nenhum imã muçulmano, não. Mas sim de um democrático defensor da imposição à força da "democracia", como "dever moral" do Ocidente, novo "fardo do homem branco". É Michael Ignatieff, que não é russo, é canadiano, mas americano de coração, que agora nos visitou. Ele defendeu todas as intervenções "democráticas" dos EUA e parceiros: no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Síria (Obama recuou, o que ele não perdoa), também na ex-Jugoslávia, evidentemente. Reconhece, em entrevista ao "Público" (duvido que tenha sido à borla...), que tem havido desastres sucessivos. Mas proclama o sucesso da receita na Bósnia, no Kosovo, em Timor... Bem, eu nunca o ouvi falar de Timor antes, de forma que acho abusivo vir agora invocar esse exemplo (aliás o processo de Timor foi conduzido pela ONU, não pela NATO...). Quanto à Bósnia e ao Kosovo, é preciso ter lata para os apontar como "exemplos" de democracia... Enfim, Ignatieff lá continua (como o Tony B., este agora mais contido, e outros "engenheiros da democracia") pelo mundo fora a vender a sua banha de cobra a quem a quer comprar.

 

Um partido unipessoal

Nasceu o PDR, um partido unipessoal, porque é o partido de Marinho Pinto e só dele. Não tem programa, não tem ideias, não tem propostas. Tem apenas um objetivo: servir de base para a candidatura de Marinho Pinto a todas as eleições em que ele queira participar. Se faltam ideias ao partido, não lhe falta eleitorado. A sua base social de apoio é constituída por advogados, motoristas de táxi, domésticas e telespetadores dos programas matinais da TV. Dá à vontade para eleger nas legislativas o próprio dito cujo e provavelmente mais alguns, por arrasto. E depois virão as presidenciais... Aí é que Marinho vai sentir-se como peixe na água...

 

O recrutamento dos juízes do TC

No congresso dos juízes falou-se do TC, e bem, porque o TC é, acima de tudo, um tribunal, embora haja gente nos partidos do Governo e até nas universidades que acha que é um "órgão político", com isso procurando negar-lhe a natureza judicial. Percebe-se o que eles querem: já têm a maioria, o Governo, o Presidente, já só falta mesmo o TC para fazerem o pleno... E por isso estão preocupados com o processo de recrutamento, que querem "melhorar" (percebe-se qual seria a "melhoria"). Eu também acho que o procedimento pode ser "melhorado" (obviamente no sentido do reforço da independência dos juízes do TC). Mas não me parece o momento oportuno para suscitar a discussão, quando o TC está sob o fogo cerrado governamental. A seu tempo, se verá. Apenas quero aqui deixar um comentário. Por vezes, fala-se na hipótese de fazer intervir o PR no recrutamento dos juízes, nomeadamente concedendo-lhe um "quota", como acontece em outros órgãos do Estado. Ora é precisamente aí que nascem os meus receios. É que os exemplos que estão à vista são de meter medo. Repare-se no Conselho de Estado: o atual PR nomeou para esse órgão, além de alguns amigalhaços de longa data, membros dos partidos do "arco da governação" (belo arco, sem dúvida, ainda há-de ser monumento nacional), ficando sem representação os partidos parlamentares excluídos do "arco". Este sectarismo, que só empobrece o CE, revela bem os "critérios" das escolhas. Em termos claros: queremos o Dias Loureiro (ou similares) nomeado juiz do TC?

05 outubro 2014

 

A desconstrução da República


Hoje é o dia 5 de Outubro. Sim, hoje é o dia do centésimo quarto aniversário da implantação da República em Portugal. Numa outra perspectiva, seria o ano zero em que a República deixou de ser um acontecimento a assinalar no calendário, por obra e graça da eliminação dos feriados considerados menos relevantes no que diz respeito a efemérides da nossa História. Um dia roubado às pausas no trabalho, suscitadoras de reflexão e celebração, em prol de uma extensão da produtividade, quer dizer, de um dia mais a averbar na contabilidade do capital das empresas, sem custos adicionais para elas. Por sinal, calhou ser domingo e a falta do feriado não se notou.

Mas o pior ainda não é isso. O pior é a degradação dos ideais da República a todos os níveis: na cidadania, na qualidade da democracia, no funcionamento das instituições, na prestação de serviços públicos (da escola à saúde, da promoção da Ciência e das Artes à expectativa  - e já não digo segurança - de emprego, da habitação aos transportes), na protecção dos jovens e dos velhos, na diminuição das desigualdades, não só entre cidadãos, como entre o interior e o litoral, os agregados rurais e os centros urbanos.

Uma grande mole humana tem-se visto obrigada a emigrar, num dos maiores surtos de abandono do país da nossa História; os cérebros têm desertado para outras paragens; profissionais de vários ofícios (médicos, enfermeiros, engenheiros, arquitectos, juristas, pilotos da aviação) têm procurado quem lhes dá emprego lá fora ou vão no encalço de quem os alicia com melhores proventos.

O país despovoa-se, a natalidade reflui a olhos vistos, as nossas empresas, incluindo as mais emblemáticas e representativas de sectores estratégicos, são alienadas a estrangeiros. Entre a política e os negócios, descobrem-se, em cada dia que passa, episódios de ligações perigosas.

Há uma incerteza na aplicação da lei, tanta é a legislação que muda de um dia para o outro, a ponto de o cidadão não saber com o que conta. Isso é particularmente notável nas leis fiscais. E, pior do que isso, desprezam-se princípios que se tinham como adquiridos ou solidificados na ordem jurídica e direitos e garantias constitucionais que se tinham como irreversíveis, dado o seu carácter fundamental e a sua natureza partícipe do património dos direitos humanos. A esta investida, que é acompanhada por uma autêntica campanha ideológica, chamou o ex-Procurador-Geral da República, Cunha Rodrigues, “a descontrução do direito”, num ensaio publicado no Jornal de Letras n.º 1144, correspondente à quinzena de 6 a 19 de Agosto de 2014.

Não é outra coisa senão “descontrução” o que se tem vindo a fazer em vários níveis da sociedade portuguesa. Para dizermos tudo numa palavra, a descontrução que se tem vindo a empreender é a do próprio conceito material de República. Daí que a abolição do feriado seja  apenas o indício simbólico dessa desconstrução.

01 outubro 2014

 

Mais democracia participativa?


 

Também tenho muitas dúvidas sobre a mais valia democrática que processos como o das primárias possam trazer aos partidos e à renovação democrática que possam implementar na sociedade. Desconfio. Acho que é mais uma moda. E realmente podem ter o efeito contrário ao apregoado, isto é, em vez de enriquecerem, podem empobrecer o debate democrático. Por sinal, o debate (ou a pugna) entre António Costa e António José Seguro não me esclareceu nada. Quanto ao essencial, fiquei na mesma. Que diferenças os separam, não vi bem, para além de estilos diversos: o António Costa aparentemente mais descontraído, camisa aberta sem gravata, a voz mais bem colocada, augurando, talvez, um melhor desempenho oratório e uma melhor presença nos confrontos verbais com a oposição, coisa que não lhe servirá de muito para já, uma vez que não vai estar no Parlamento, e também um maior poder de galvanização; o António José Seguro mais contraído, mais ressentido, mais engravatado (no próprio dia das eleições, o Costa apareceu de calças de ganga e camisa, o António José Seguro, de fatinho e gravata, bem entalada em colarinhos bem engomados, como num domingo de missa, enfim, sinais que marcam diferenças  - porventura as que serão relevantes - e que poderão ser objecto de um agradável estudo semiológico).

Mas, para além disso, não vi realmente mais nada, a não ser a luta fratricida a que se entregaram os candidatos.

Bem sei que os partidos são estruturas herdadas do século XIX e que entraram no caminho da fossilização, quando não em caminhos mais ínvios, aumentando a olhos vistos a distância que os separa dos cidadãos eleitores. Nada permanece igual e eles (os partidos), a continuarem a ser instrumentos imprescindíveis na democracia, têm que evoluir e, mesmo, transformar-se radicalmente, em sociedades que vão dando sinais de aparecimento de outras formas de intervenção social e política. Mas será que este método das primárias aprofundará mesmo a democracia participativa, como aventou hoje, no fórum da TSF, o Professor Boaventura de Sousa Santos, que, todavia, preveniu para os seus perigos? Esperemos para ver.

(Escrito no dia 30/09 à noite e publicado no dia 1/10, por esquecimento da palavra-passe. Desgaste inevitável da memória e falta de uso do blogue nos últimos tempos)   

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