06 dezembro 2014

 

A presunção de inocência


 

 

O caso Sócrates promete transformar-se num manual prático de processo penal, como o foi, por exemplo, o processo da Casa Pia. De repente, começam-se a discutir publicamente princípios e direitos constitucionais e noções fundamentais do processo penal. Um deles é o célebre princípio da presunção de inocência.

Claro que este princípio constitucional (“Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória” – artigo 32.º, n.º 2 da Constituição) tem o seu campo de aplicação no processo penal, significando, numa das suas principais dimensões, que o arguido não tem que provar a sua inocência, competindo à acusação fazer a prova dos factos incriminatórios e desfazer todas as dúvidas que se levantem, devendo o tribunal valorar a seu favor qualquer dúvida razoável que a prova suscite. Se a acusação, de todo em todo, não conseguir vencer esse estado de dúvida em que o tribunal fique, depois de ele próprio ter envidado todos os esforços para esclarecer a verdade material, deverá o arguido ser absolvido.

Porém, o princípio da presunção de inocência também é relativo, como tudo, pois, se levado à letra, nunca o arguido poderia ficar em prisão preventiva, ou ser acusado, ou mesmo ser condenado e, desta  forma, nunca se poderia chegar, absurdamente, ao trânsito em julgado de qualquer decisão. Isto é, seria um princípio paralisador da investigação e da perseguição criminais. Quer isto dizer que, ao longo do processo, se vão fazendo juízos de culpa, apesar do princípio da presunção de inocência, só que esses juízos de culpa têm de ser feitos, paradoxalmente, respeitando o princípio da presunção de inocência, isto é, grosso modo, sem pré-juízos contra o arguido e respeitando a sua dignidade em todas as fases.

Pois bem, tem-se dito que o princípio da presunção de inocência não tem aplicação fora do processo, nomeadamente nos meios de comunicação social. E não tem, de facto. Porém, se assim é, também é verdade que nenhuma entidade, a não ser os órgãos com competência para tal, pode fazer juízos de culpa e censurar actos de alguém que caiam na alçada do direito penal ou de qualquer outro ramo do direito de natureza sancionatória.

Quem assim proceder pode incorrer na prática de actos ilícitos, nomeadamente no crime de difamação, através da imputação de factos ou formulação de juízos atentatórios da honra e consideração de outra pessoa, e de ilícitos de natureza civil, dando origem à obrigação de indemnizar.

No caso do crime de difamação, pode a conduta não ser punível, se o agente actuar ´para realizar um interesse legítimo (o de informar, por exemplo) e provar a verdade dos factos imputados ou, ao menos, o fundamento sério para, em boa-fé, os ter reputado como verdadeiros.

Mas isto significa que, se o princípio da presunção de inocência é um princípio processual, há outros bens jurídicos e interesses tutelados pela lei que podem ser ofendidos por qualquer agente e que concorrem para a realização, ao menos indirecta, daquele princípio.





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