28 dezembro 2014

 

A todos os compatriotas de boa vontade


Missiva de Boas-Festas de um Alto Representante da Maioria Feita Acção na entrada do Novo Ano

 

Meus Caros Compatriotas:

A situação difícil por que passamos está a passar. Como tem lembrado o nosso ministro-mor no termo de cada ano, para o próximo ano é que a crise se vai embora, ou, para empregar a pitoresca expressão antroponímica, vai dar às de vila-diogo. Desta vez, é mesmo verdade, definitivamente verdade. A crise vai arredar pé e fugir de nós, como o diabo foge da cruz.

Uma nova era vai romper, desanuviando o horizonte da nossa valorosa Pátria e fazendo surgir o astro-rei em todo o seu esplendor, que finalmente brilhará para todos nós. Reparem que digo o astro-rei e não, banalmente, o sol, para não confundir a nossa política com a estereotipada e ferrugenta fórmula de um certo partido dos nossos adeversários, que não se cansou de repetir, no passado: o sol brilhará para todos nós - uma fórmula que a História se encarregou de desmentir, convertendo-a num gigantesco fiasco.

O astro-rei virá, finalmente, alegrar as nossas existências. E virá alegrar as nossas existências, graças à espantosa força do nosso Povo, que se tem aliado com toda a evidência às corajosas medidas que o governo desta Maioria tem vindo a tomar para nos salvar da bancarrota.

Na verdade, tem sido extraordinária esta aliança entre o Povo e as mais nobres intenções da Maioria que nos governa. Não fora ela – a aludida aliança – e não nos teríamos aguentado tanto tempo ao leme dos destinos da Pátria - uma verdadeira Maioria Feita Acção (não confundir com o detestável acrónimo – MFA – que em tempos ominosos fez carreira).

Foi graças à aliança entre o Povo e esta Maioria Feita Acção – o verdadeiro MFA - que se conseguiram as mais notáveis reconquistas no plano económico, social e político. Com efeito, conseguimos recobrar o antigo prestígio para a nossa mão-de-obra, libertando-a das peias que impediam a sua mobilidade e a livre fixação do seu preço, segundo o jogo do mercado, e tornando-a mais rica, embora paradoxalmente mais barata, mas, na realidade, mais rica, porque mais apetecível e mais valorizada por quem a procura, tanto por empresários nacionais, como estrangeiros. Assim, subimos no ranking dos países favoritos que oferecem mão-de-obra a preços de saldo, que são sempre os preços mais desejados por todos nós. Isto não é pequena proeza.

Libertámos o Estado da grande maioria das empresas onde ele tinha parte ou a totalidade do capital e entregámo-las à fecunda iniciativa privada, atraindo à compra países de variegadas origens, culturas e raças, da Europa à África, das Américas à Ásia, do Ocidente às mais remotas paragens do Oriente. Nunca uma iniciativa teve tanto sucesso, ecoando nela o fervilhar das nações que nos procuravam no tempo das gloriosas Descobertas, quando à nossa capital afluíam mercadores de todos os lados para comprarem a pimenta, o cravo e a canela, que só nós tínhamos arte para buscar e lhes oferecer. Diga-se que arrojo não nos tem faltado – um arrojo semelhante ao dos nossos maiores que venceram o Adamastor – não hesitando mesmo em pôr em praça empresas ditas estratégicas, apesar das vozes do Restelo que nos assediam por todos os lados. Até pelos ares nunca dantes navegados nos temos aventurado e, sobrevoando as nuvens espessas que teimam em tolher-nos a rota traçada com audácia, esperamos levar a bom termo o negócio da nossa frota voadora, que nos há-de render muito cacau, essa especiaria tão cobiçada por todo o mundo.

Meus Caros Compatriotas:

Semeado de espinhos tem sido o nosso caminho, mas nem por isso hesitamos um minuto em o levar por diante. Vede quão ousados temos sido em livrarmo-nos dos antigos donos da nossa Pátria e substituirmo-los por mercadores honestos que afluem de  todos os cantos do mundo, com os olhos postos na excelência do nosso património.

Vede como temos sabido criar uma nova era de emigração, desta feita não só nem principalmente de trabalhadores pouco qualificados, provenientes das zonas rurais do país, mas de compatriotas com valor, onde pontificam vastas camadas de jovens ilustrados, que vão enriquecer outras culturas e outras civilizações com o seu saber, prestigiando o nome da nossa Pátria, do mesmo passo que nos aliviam a nós do pesado encargo da sua manutenção dentro das nossas fronteiras e nos enviam parte das suas economias. Gente valorosa esta e de subida generosidade, tão compreensiva da nobreza dos nossos objectivos!

Não se deve esquecer também – e devemos lembrá-lo orgulhosamente aos nossos adversários – o quanto temos feito pela promoção das nossas gentes do interior, adoptando políticas destinadas a fazê-las aborrecer os seus modos tradicionais de vida, os seus hábitos ancestrais, o seu apego sentimental às terras miseráveis onde nasceram, levando-as progressivamente, por meio da retirada estratégica de serviços (mas com humanidade, é claro!) a abandonar os seus torrões natais e a afluir aos centros urbanos e ao litoral, onde poderão ter maior contacto com a civilização e o desenvolvimento. Acresce a isso a vantagem de as nossas aldeias poderem ser promovidas à categoria de aldeias turísticas, que poderão ser adquiridas por pessoas de posses e atraírem estrangeiros, que aqui deixarão os seus cabedais, o que muito contribuirá para o fortalecimento da nossa economia.

Acusam-nos de termos acabado com a classe média ou mediana, mas essa afirmação é rudemente descontextualizada pelos nossos detractores, pois o nosso objectivo, como é evidente, é acabar de vez com a mediania, para darmos lugar à excelência. Excelência da mão-de-obra nacional, que deve ser barata para ser cobiçada; excelência do capital, que deve ser poderoso, para criar riqueza. Assim é que as coisas ficam no seu lugar.

Enfim, meus caros compatriotas, nunca tanto se fez em tão pouco tempo, como nós, a Maioria Feita Acção – o verdadeiro MFA – fez durante estes fecundos anos de governação.

Desejo a todos Boas-Festas e que o Novo Ano, o ano  em que vamos, finalmente, colher os suculentos frutos da nossa acção, não traga surpresas desagradáveis. Não vos deixeis enganar pelas falsas promessas dos nossos opositores. É preciso que tudo quanto fizemos até aqui e que ficou brevemente sumariado nesta exposição, não seja desfeito.

É o que, do fundo do coração desejo para o

 

                                                                       Bem Da Nossa Pátria

 

Jonathan Swift (1665-1745)  





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