30 setembro 2015
O escolho das escolhas
O escolho das escolhas
Um dos obstáculos mais difíceis
de vencer nestas eleições, operando no sentido da manutenção do statu quo, é o medo. O medo de que as
coisas voltem a derrapar, a entrar em marcha atrás, a colapsar. Foi tão
violenta a austeridade imposta ao povo português nestes últimos anos, que
muitas pessoas têm medo de um regresso aos tempos mais duros que já viveram e
cujos efeitos persistem, mas que acreditam terem passado e irem melhorar daqui
para a frente. Um sem número de outras pessoas hesita entre caucionar a
política que tem sido seguida ou contribuir para uma mudança, que aparece
envolta no medo do desconhecido, esse medo paralisante que impede o rompimento
dos diques que represam e aprisionam o descontentamento.
O medo, de resto, tem sido muito
bem administrado por quem se apresenta como tendo salvado o país da bancarrota,
depois de ter aproveitado a crise internacional, provocada pela especulação
financeira, que atingiu a União Europeia e, em particular, os seus países
periféricos, e pelas assimetrias resultantes da adopção de uma política
monetária gizada à medida dos mais fortes, entre outros factores internos, para
operar uma transformação social e económica de cento e oitenta graus, fazendo
com que o peso da crise recaísse
fundamentalmente sobre os trabalhadores por conta de outrem, os
funcionários públicos, os pensionistas, os jovens e as franjas marginais da
sociedade (o lúmpen).
Com efeito, não se tem brandido
senão o fantasma de um regresso ao caos, às piores condições de um passado
recente, para acordar o medo que vive acoitado no interior de muitos
portugueses. O medo tem muita força e tem, entre nós, raízes longínquas que
subsistirão ainda no subconsciente de muitas pessoas. A escorar esse medo,
exibe-se o mostruário de alguma melhoria sensível ou aparente, mais aparente do
que sensível, pois, por um lado, é difícil não se ter subido uns furinhos,
depois de se ter descido à escala mais ínfima e, por outro, há melhorias que
vêm de condições exteriores e alheias à política interna e medidas conjunturais
ou mesmo tomadas com vista às eleições, destinadas a dar uma caiadela sobre a
humidade corrosiva que está por baixo.
Quanto aos candidatos das
alternativas propostas, em particular o do maior partido da oposição, têm eles
transmitido aquela força material e anímica, o grau de credibilidade e de
persuasão requeridos para imporem uma mudança que seja sentida como tal e para
levarem o eleitorado a vencer o tal medo inibidor?
É o que se irá ver no próximo
domingo, nas urnas, onde também se irá pôr à prova esta orgia de sondagens
diárias.
19 setembro 2015
Eleições na Grécia
As eleições de amanhã na Grécia têm já o resultado conhecido. Não haverá partidos vencedores nem vencidos... Melhor, todos serão vencidos... É que, como se sabe, qualquer que seja o "vencedor", o programa de governo já está antecipadamente delineado e aprovado. E não pelos gregos, mas sim por Schaeuble... Na Europa de hoje, os devedores não têm soberania nem liberdade, estão acorrentados de pés e mãos, à mercê dos credores. Caducou o princípio que se julgava definitivamente adquirido na civilização europeia: inexistência de prisão por dívidas...
17 setembro 2015
Jeremy Corbyn
O Partido Trabalhista britânico elegeu como líder, contra os avisos apocalípticos de Tony Blair (ainda mexe, mas não o ouvem...), Jeremy Corbyn, um homem que é de esquerda e quer o partido à esquerda. Foi um verdadeiro escândalo: o "Finantial Times" e a "Economist" tocaram os sinos a rebate, vem aí um perigoso radical que prejudicará o partido e o afastará por muito anos do poder, esquecendo que, enquanto porta-vozes do capitalismo financeiro, estes espécimenes da imprensa não estão em condições de avaliar o que é bom ou mau para o Partido Trabalhista... Por cá, o "Público" também está vigorosamente contra o novo líder (a quem acusa de cometer o delito de "desenterrar o socialismo"), e a Teresa de Sousa está fula com este "extremista"... Ainda por cima, ele é republicano e ateu!!! Este homem não tem lugar na Europa de hoje! Aparentemente indiferente a estas críticas, Corbyn já assumiu funções. E logo começou por cometer um crime grave: não cantou o hino do país numa cerimónia oficial... Foi portanto acusado de "traição" pelos tablóides... lídimos representantes da imprensa de lixo que tem forte representação do outro lado da Mancha. O facto é que Corbyn não quis cantar um hino em que se pede a deus para conservar ("save") a rainha (pela longevidade da mesma, aparentemente deus tem respondido ao apelo). Uma letra tão anacrónica não pode ser cantada por um republicano sem um sentimento mínimo de repulsa... Em todo o caso é o hino oficial do citado país, e enquanto não for revogado Corbyn não poderá escapar a soletrá-lo de vez em quando... Mas o que importa é que ocorreu algo de novo naquele reino e, por extensão, na Europa. Vamos ver em que medida esta eleição pode contribuir para um reforço da esquerda a nível europeu...
Prisão preventiva: dois esclarecimentos para os ignorantes
A propósito de um caso judicial muito conhecido têm aparecido na imprensa, e também saídos da boca de pessoas (alegadamente) responsáveis, alguns comentários que revelam nuns casos má fé, noutros cândida ignorância, a propósito da aplicação da prisão preventiva, em termos tais que parece que vivemos sob a alçada da inquisição. Cada um pode pensar o que quiser sobre esse ou qualquer outro processo judicial. Mas algumas coisas tem que saber para poder comentar com seriedade. Duas coisas nomeadamente, que passo a expor. A primeira é que o despacho que aplica a prisão preventiva contém necessariamente a descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, a enunciação dos elementos do processo que indiciam esses factos e a qualificação jurídica dos mesmos. Não tem pois sentido afirmar que o arguido em prisão preventiva desconhece a "acusação", no sentido de que desconhece os factos ou os crimes lhe são imputados. Conhece-os e pode impugná-los imediatamente junto dos tribunais superiores... Kafka não é para aqui chamado; se o for, é invocado em vão... Outra questão é a do prazo da prisão preventiva, que seria escandalosamente excessivo por permitir a prisão por um ano até à acusação formal do MP... Este sobressalto de cidadania não deixa de fazer sorrir, já que obviamente direcionado para a proteção (exclusiva) dos arguidos "ilustres" (por que não se lembraram antes, já que o prazo vigora desde 1987?)... De qualquer forma, a afirmação enferma de vários vícios. Em primeiro lugar, o prazo da prisão preventiva até à acusação só é de um ano nos casos em que o processo é por crime punível com prisão superior a 8 anos ou por um dos crimes do catálogo enunciado no nº 2 do art. 215º do CPP (que o legislador, quer dizer, a AR, bem ou mal, entendeu equipararem-se àqueles) e o processo for declarado de especial complexidade. Normalmente o prazo é de 4 meses, prazo que se eleva para 6 meses nos casos já referidos do nº 2 do art. 215º. Acresce que, compulsando as normas correspondentes de vários países próximos (Espanha, França, Alemanha, por exemplo), constata-se que aí o prazo normal da prisão reventiva é de um ano... Quer dizer, a lei portuguesa é mais benévola... Em resumo, a ignorância devia estar de boca calada... Já à má fé não se pode pedir o mesmo, evidentemente; só um pouco de decência...
11 setembro 2015
Um negro em Nova York
James Blake é uma antiga estrela do ténis americano. Mas tem um problema: é negro... Mesmo na cosmopolita Nova York, um negro é sempre um negro. E quando um negro é suspeito da prática de um crime, mesmo estando parado pacificamente numa rua, a polícia não hesita: atira-o ao chão e algema-o. Depois é que confirma a identidade do suspeito (mesmo parado e sem armas à vista, um negro é sempre um perigo potencial). Se houver engano, liberta-se o detido, como aconteceu com Blake. Comportamento desproporcionado por parte da polícia? Sim, se o suspeito fosse branco... Mas não era...
O debate expectado
O debate cumpriu-se conforme o expectado: com muitos números recitados e sem esclarecimento nenhum. Estes debates, já se sabe, não são para esclarecer ninguém. Não há nenhum indeciso que fique mais "esclarecido" no final. O que não quer dizer o debate que não possa contribuir para uma decisão... Não pelo esclarecimento, mas por outros fatores: a atitude do candidato, o seu à-vontade ou nervosismo, a convicção com que (aparentemente) se fala, sobretudo a capacidade de retorquir imediatamente ao adversário, independentemente do valor intrínseco dessa resposta... São esses "pormenores" que ditam o "vencedor"... E o vencedor, neste caso, foi indiscutivelmente Costa, muito mais seguro e tranquilo do que o nervoso Coelho. O "valor" das propostas ficou por esclarecer... conforme expectável e expectado...
10 setembro 2015
O "duelo"
Por acaso cheguei de fora a tempo
de ver o grande confronto entre Passos Coelho e António Costa, de que não me
lembrava. As televisões e a rádio alvoroçavam-se no anúncio do mais esperado
frente-a-frente desta campanha, criando aquele ambiente de expectativa e de
tensão que a comunicação social investe em eventos desta natureza. Um
acontecimento a transmitir em “horário nobre”, capaz de destronar a habitual
programação televisiva e ocupando o lugar das telenovelas e dos desafios de
futebol.
Na verdade, o “duelo”, como lhe
chamaram vários comentadores e como aparece referido em vários órgãos de
informação, tem essa característica de combate entre dois contendores e é essa dimensão
espectacular, lúdica e, vamos lá!, de realitiy
show, que sobreleva as outras possíveis determinantes e que deixa
antecipadamente de pé atrás muitas das pessoas já avezadas a este tipo de
confronto. O próprio clima de ansiedade que é criado e é transmitido pelos “agentes” da comunicação social nas horas
que precedem o acontecimento, todo o aparato que é posto em movimento, os meios
mobilizados, a mise-en-cène, as
previsões sobre as audiências esperadas, etc., constituem já uma antecâmara propícia
ao espectáculo que vai ser oferecido.
As discussões encarniçadas entre
jornalistas, empresários da comunicação social e políticos à volta das
transmissões televisivas da campanha eleitoral, desembocando na lei que foi de
parto tão difícil e que, finalmente, veio beneficiar as grandes e clássicas
formações partidárias, não prenunciava senão a dimensão espectacular em que se pretendia
centrar a regulação normativa, ou, para empregarmos a expressão crua de Eduardo
Lourenço, em O Esplendor do Caos, “o
critério único e universal da rentabilidade mediática”. Por isso, não seria de
esperar (nunca é de esperar nestas circunstâncias) um grande debate de ideias,
até porque os próprios protagonistas do confronto não conseguem fugir a essa
pulsão de impacto mediático, a que nem a informação televisiva escapa. O
objectivo fundamental é fazer passar uma mensagem com ideias “marteladas” e
repisadas.
Mas voltando à dimensão lúdica e
espectacular, é significativo que a principal, senão única, preocupação
demonstrada pelas televisões, mal o debate acabou, foi saber quem o ganhou.
Apurar dos espectadores, através de mensagens electrónicas e não sei se telefónicas,
a opinião com que ficaram sobre quem venceu a pugna; inquirir o mesmo dos
convidados para o debate que se seguiu ao dos representantes dos partidos em confronto.
Um dos jornalistas de um dos canais de televisão, mostrando impaciência ante a
divagação de um dos inquiridos presentes no estúdio, não se conteve que não
atalhasse: “Sim, mas quem venceu o debate?” As expressões usadas pelos comentadores
faziam mesmo apelo, frequentemente, ao vocabulário dos espectáculos de boxe: round, KO, etc.
Ora, o debate ou duelo foi ganho,
conforme se pronunciou a grande maioria dos espectadores, por António Costa.
Descontraído, olhando de frente o adversário, as mãos pousadas sobre o tampo da
mesa enquanto escutava, a voz firme, a acutilância na acusação. Passos Coelho,
pelo contrário, mergulhando os olhos num caderno onde afanosamente rabiscava
notas, afogueado, por vezes enrubescendo, era a imagem do animal acossado.
Porém, quanto ao resto, ficou tudo nos limites do previsível ou, na linguagem da
classe bem falante da actualidade, ficou tudo nos limites do expectável.