28 dezembro 2015
A realidade e a ideologia
Uma das lições mais proveitosas,
de antes do fim do ano, do Professor Cavaco Silva foi, sem dúvida, aquela em
que ele afirmou que a realidade tem sempre o primado sobre a ideologia e que,
no tempo presente, não há espaço para ideologias. Ora, aqui está uma afirmação
límpida e redonda como o sol. Será difícil encontrar algo com mais clareza. E
eu, que sempre tive alguma dificuldade em definir o que é exactamente a
realidade, pensando que a filosofia e a própria ciência (para já não falar na
arte) têm contribuído, muitas vezes, para o obscurecimento dessa noção.
Lembro-me de um poema de Manuel António
Pina, chamado A ferida, que é assim:
Real, real, porque me
abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem
preciso
de entregar nas tuas mãos o meu
espírito
e que, por um momento, baste
que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio,
causalidade.
(…)
Para o Professor Cavaco Silva a realidade é, simplesmente, a
realidade, aquela em que se mergulha e se sai limpo de ideologia. Basta ser
pragmático, isto é, despido de vestes ideológicas. A realidade há-de vir sempre
à tona, eis um critério de veracidade
indiscutível. Por isso, exorta-nos
a nunca nos sentirmos abandonados pela realidade, porque ela há-de acabar,
gloriosamente, por triunfar sempre da ideologia. Entreguemos, pois,
confiadamente, o nosso espírito à realidade para “tudo de novo ter sentido”.