29 novembro 2017

 

Eis a agitação social



Acho piada a certas pessoas francamente conotadas com a direita política e dirigentes dessa área armados em vigilantes do cumprimento à risca, por parte dos partidos de esquerda e instituições representativas de trabalhadores, dos objectivos políticos que tradicionalmente fazem parte de um programa de esquerda. Essa gente fartou-se de lamentar que não houvesse agitação social, que os sindicatos não viessem para a rua fazer manifestações, que os trabalhadores estivessem tão caladinhos, enfim, que os partidos de esquerda que sustentam o governo trouxessem o país tão anestesiado.

Dava a impressão que essa direita se tinha convertido ao programa político-social da esquerda. Ou seria outra razão que a movia a lamentar os partidos de esquerda, os sindicatos e os trabalhadores por não cumprirem o seu papel de insatisfeitos e reivindicadores? Sei é que, com as greves dos enfermeiros, dos médicos, dos professores e outras ameaças dos funcionários públicos, essa tal direita rejubilou (o que não quer dizer que eu entenda que essas greves vieram ao encontro da direita) e, respirando de alívio, conseguiu dizer: “Eis, finalmente, a agitação social”. Como se dissesse: “Eis, finalmente, a chuva. Já estávamos fartos de seca”.    



28 novembro 2017

 

A força da principal indústria inglesa

A família real inglesa é uma das principais indústrias do país. Alimenta permanentemente uma vasta rede de comunicação social, imprensa, rádio, TV. Não é apenas a imprensa cor-de-rosa que vai a essa "fonte", embora aí tenha sempre o lugar da frente. Também a imprensa "de referência" se encanta normalmente com todos (e são inúmeros) os eventos que ocorrem naquela família, não apenas as mortes, casamentos, ou divórcios, mas até os namoros, a estadia nas férias, um vestido usado numa noite, um fato de banho mais ousado, etc. etc.
Agora é um noivado real de um tal Harry, que acontece ser o 5º pretendente ao trono... Não está muito bem colocado na fila, mas sempre é um pretendente e isso é que importa. O povo inglês bem pode esquecer por uns tempos o Brexit e a fatura a pagar à UE... Agora tem uma fatura maior: a do casamento, porque um casamento real é de arromba (em termos festivos e orçamentais). É claro que os direitos televisivos vão cobrir tudo, e com retorno certamente. É a força da indústria real inglesa. Não é de agora. Lembro-me do já longínquo ano de 1953, onde numa vila da província fui ver um filme intitulado "A Coroação de Isabel II", com mais de duas horas de duração. Foi um dos grandes filmes da minha infância...

 

O Governo em "avaliação"

Estranha forma arranjou o Governo para se "avaliar" no final do 2º ano de mandato...
Uma "agência de comunicação" é contratada em ajuste direto pelo Governo para "recrutar" umas dezenas de cidadãos, alegadamente representativos da nação, para fazerem perguntas aos ministros numa sessão pública. A agência recebe o "cachet" de 45202 € para organizar o "evento" e cada um dos "cidadãos" participantes, com elevado sentido de militância cívica, recebe a insignificante quantia de 200 € para ir ao evento... O aval "científico" foi dado pela Universidade de Aveiro (não foi divulgado se recebeu alguma coisa...).
Não me parece este método de "avaliação" minimamente fiável do ponto de vista da participação cidadã e acho reprovável (para utilizar a palavra mais suave possível) o pagamento dos "avaliadores".
Tudo não terá passado de uma encenação/dramatização/teatralização encomendada.
A verdadeira avaliação é feita na AR e mais tarde nas urnas, pelo povo.

13 novembro 2017

 

O estranho caso do Panteão


O jantar da Web Summit transformou-se num caso nacional, graças às redes sociais.Os órgãos de comunicação social mais tradicionais seguiram-lhe no encalço, como de costume. E toda a gente passou a emitir opinião. Opinião que, diga-se, prima, quase sempre, pela superficialidade e pela indigência. Representantes dos partidos da oposição passaram a clamar contra o governo e exigiram cabeças O primeiro-ministro, confrontado com o caso, disse, numa urgência de reacção (agora que as reacções a quente e a frio são cuidadosamente escrutinadas pelos “media”), que era “absolutamenete indigno”. O presidente da República, por seu turno, disse que era ofender a memória dos mortos.
Tanta indignação para quê? Afinal, feita a história dos jantares e almoços no Panteão, ficou a saber-se que este não foi o primeiro caso. Já houve eventos semelhantes anteriormente, quer com este governo, quer com os governos anteriores, tendo sido no governo de Passos Coelho que essas situações foram regulamentadas.
E mais se soube que tais eventos (não só jantares e almoços, mas também de outra natureza) têm lugar no corpo central do Panteão e não no espaço onde existem arcas tumulares com restos mortais, espaço esse que fica vedado ao público. Qual é a indignidade, senhores? Qual a ofensa? E ofensa a quem? Aos mortos? À sua memória? Aos seus restos mortais? Há quem pense que estão lá pessoas...

Vivemos numa sociedade onde existe quase uma coacção dos “media”. A mais pequena coisa é insuflada com ar e vento nos ditos “media” e, com pouco mais, transforma-se numa tempestade, numa vozearia, num tumulto. É-se coagido a reagir, a tomar posição. A quente. Emotivamente. Sem distância. E, mais grave, sem informação. Portanto, ignorantemente. 

07 novembro 2017

 

Ainda as críticas ao acórdão da Relação

Ao cabo de quase quinze dias, o acórdão da Relação do Porto continua a suscitar reacções bastante fortes de repúdio. Grande parte delas veicula ideias erradas, como é típico da ampliação mediática que estes casos adquirem. Por exemplo: as reacções incidem quase sempre sobre o relator, como se a decisão fosse da responsabilidade apenas dele. Quase toda a gente fala do juiz, ignorando ou rasurando a comparticipação do outro membro do colectivo, por acaso uma mulher. Será apenas ignorância de que as decisões dos tribunais superiores são colegiais? Começo a pensar se não haverá nisso uma intenção deliberada, sobretudo quando as críticas são feitas por determinadas pessoas que têm uma formação superior à média e que se inserem em certos quadrantes ideológicos, pessoas interessadas em pôr a nu o machismo da decisão.
Há dias, ouvi na Antena 1 uma historiadora conhecida, de esquerda, Maria Irene Pimentel, criticar acerbamente o acórdão. Começou por dizer que a decisão era co-assinada (sic) por uma juíza. Porém, daí em diante, apenas falou no juiz como o único merecedor de toda a diatribe que proferiu. E muitas mulheres e alguns homens postulam a necessidade de retirada do juiz do julgamento de casos de violência doméstica. Nunca dos juízes que assinam a decisão. Por que será? E a minha dúvida vai-se adensando e ganhando contornos perversos. Será que há quem pense que existe uma espécie de quota de irresponsabilidade para as mulheres em situações que tais?

A senhora desembargadora veio entretanto a terreiro dizer que não tinha lido a fundamentação (ou, pelo menos toda a fundamentação) da decisão. De contrário, ter-se-ia oposto à inclusão no acórdão da passagem polémica que pôs todo o mundo em alvoroço. Mas isso não faz transferir para o relator todo o peso da responsabilidade social (abstenho-me de considerações noutro plano) do acórdão. Ao fazê-lo, não se estará, de certo modo, a minimizar o papel da mulher no exercício de funções desta natureza, em nome de estereótipos de género? 

 

Cem anos depois

A Revolução de Outubro tinha, como a Revolução Francesa, um programa libertador e universalista. Mas, diferentemente desta, colocou como objetivo central o valor igualdade entre as pessoas, e procurou criar um novo tipo de poder democrático e popular: os sovietes.
Esse programa falhou e a herança que ficou é trágica.
Mas a "vitoriosa" democracia liberal não é o fim da história e cada vez mais mostra a sua incapacidade para instaurar uma ordem internacional, ou mesmo interna, que respeite sequer os valores proclamados.
As desigualdades internas e a nível internacional não param de crescer, a corrupção e os negócios sujos tornaram-se um modo normal de gerir a economia (que não pode prescindir daqueles "buracos negros" chamados "offshores"), os migrantes são entregues à morte, a desregulação laboral que a globalização incentivou criou um imenso exército de párias pelo mundo inteiro...
Pensar que esta selva é a "ordem natural das coisas" acabará mal, poderá acabar em convulsões sociais e políticas mais ou menos amplas, em revoluções, triunfantes ou derrotadas, ou "perdidas" como a Revolução de Outubro. Que foi uma imensa esperança para legiões de trabalhadores em todo o mundo e para muitos povos no seu movimento libertador.
Se a herança não é recomendável, a esperança por um mundo melhor, essa, ainda não morreu.


02 novembro 2017

 

Catalunha: o desmanchar da feira?

A Espanha espanhola optou decididamente pela via mais radical (e creio que mais estúpida): a perseguição criminal dos governantes da Catalunha, tidos por traidores à pátria-mãe. O poder judicial (MP e juízes) empenha-se com todo o ardor nessa perseguição... Talvez os consiga condenar a centenas de anos de prisão, mas sempre faltará (desgraciadamente!) a pena que foi aplicada a Lluis Companys...
Aparentemente o governo espanhol acredita que, metendo os dirigentes na prisão, consegue meter medo aos dois milhões de catalães que votaram pela independência e convencê-los a tornarem-se "bons espanhóis"...
Penso sinceramente que conseguirão meter medo a alguns mas a dois milhões será mais difícil. As eleições de 21 de dezembro aí estarão para tirar as dúvidas. Espera-se evidentemente que essas eleições sejam "justas", o que talvez exija intervenção internacional, porque este governo de Madrid, que será o organizador das mesmas, está claramente interessado num certo resultado...
Diga-se por fim que os dirigentes catalães não terão estado à altura das circunstâncias, adotando um comportamento errático que desiludiu certamente quem confiou neles.
A festa acabou? Foi adiada? Por quanto tempo?
A história ainda não chegou ao fim.


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