15 dezembro 2019
Viagem à China I
Visitar
a China é praticamente uma banalidade, nesta época em que o turismo
de massas devassa todos os cantos do mundo e não sabe que mais
inventar para satisfazer a curiosidade esquipática do turista mais
maluquinho de viagens. A China, por outro lado, abriu-se ao mundo,
através de uma ostensiva liberalização económica que a integra,
sem problemas, na trama das relações capitalistas mundiais,
incentivando o turismo em larga escala em moldes perfeitamente
idênticos aos do Ocidente e permitindo que os seus nacionais saiam
do país, quer em turismo, quer para fixação no estrangeiro. Por
isso, a China perdeu uma grande parte da sua aura de mistério,
sobretudo o que lhe vinha da sua singularidade dos tempos
revolucionários, que aguçava a curiosidade de muitos turistas de
querer descobri-la. Mesmo assim, a China é um país imenso do
Continente Asiático que conserva uma identidade própria, uma certa
impenetrabilidade do ponto de vista da sensibilidade do homem
ocidental e a pertença a um mundo outro que é (era) o distante e sonhado Oriente. Distância que, apesar de
tudo, é muito sensível mesmo para quem viaja de avião, nas suas 15
ou 16 horas cumpridas num daqueles acanhados espaços entre os bancos
da classe económica, pese embora o facto de a minha viagem ter sido
efectuada na excelente Companhia aérea dos Emirates em duas etapas,
com intervalo de cerca de 2 horas entre elas (Lisboa-Dubai;
Dubai-Pequim, na ida; Hong Kong-Dubai; Dubai-Lisboa, na volta).
Pequim
é uma cidade que me pareceu imensa, de grandes avenidas e prédios
ao alto, numa arquitectura que me pareceu bastante estandardizada,
mas que, nos prédios mais recentes, busca formas mais ousadas
esteticamente para fugir à vulgaridade e à uniformidade, avenidas
que sobretudo percorri de autocarro, uma que outra vez mergulhando,
quando assim calhava, em ruas mais tradicionais, de prédios baixos,
de aspecto popular, casas de traça antiga, dispostas interiormente
em quadrado, ruas mais buliçosas de pessoas deambulando,
atravancadas de veículos e pequenos comércios, as chamadas hutong
. Tive pena de não percorrer a pé estas e outras ruas semelhantes
que não vi, andar por certas avenidas e ter uma outra perspectiva
dos prédios, do movimento, ver as pessoas e senti-las no seu
quotidiano, mas em vez disso, vi quase sempre carros entupindo as
grandes avenidas, andando lentamente, como em qualquer grande
metrópole do Ocidente, multidões de carros de grandes marcas,
vendo-se em filas intermináveis, mesmo no dia em que cheguei, um
domingo ao fim da tarde, levando imenso tempo a percorrer a distância
do aeroporto ao hotel. Um dia perdido nas formalidades do
desembarque, no trânsito e no alojamento.
O
tempo que permaneci nesta grande capital foi para ter uma imagem dos
sítios turísticos mais emblemáticos: a muralha da China, claro!,
colossal, começada a construir no século V a.C. (informação do
guia que nos acompanhou) e continuada ao longo de séculos.
Inicialmente foram várias as muralhas edificadas (sete, nas
fronteiras de vários principados, para proteger o território dos
aguerridos vizinhos, principalmente dos Hunos, posteriormente
unificadas numa única muralha com a unificação da China no tempo
da dinastia Qin, no século III a.C. Actualmente abrange oito
províncias da China nos seus seis mil quilómetros de extensão.
Empinando-se pelas escarpadas encostas, é coroada por fortalezas nos
pináculos, cada cem metros, e dispõe de torres de vigia de dez em
dez quilómetros. Obra gigantesca, de quase inconcebível esforço
humano, actualmente qualificada como fazendo parte do Património
Mundial da Humanidade, nela pereceram milhares de trabalhadores ao longo de
centúrias.
Neste
dia ensolarado, batido por um forte vento enregelante que sopra da
Mongólia, a muralha está a ingurgitar de turistas, muitos deles
autóctones. Uma lufada apanhou-me desprevenido e arrancou-me o boné
da cabeça com tal rapidez, que mo levou sem que eu o pudesse
capturar, voando pelos ares e pousando no galho de uma árvore, na
ravina. Fiquei a contemplá-lo, desolado, até que ele voltou a
desprender-se no seu voo para locais ignotos, deixando-me à mercê
das navalhadas gélidas do vento. Adeus, boné, para sempre! Com uns
anos que levas de uso na minha cabeça, transportas um pouco de mim
para ficar na China.
A
muralha ficou para trás com o almoço num dos restaurantes locais, e
já vamos a caminho de outra preciosidade turística: o Palácio de
Verão do Imperador. Trata-se de um vasto complexo de edifícios
enquadrado pelo lago Kunming, em grande parte artificial, mas já
existente no século XII, e pela Colina da Longevidade, erguida com a
terra escavada para a construção do lago, em cujo topo se eleva um
elegante pagode budista – o Pagode
da Fragrância Budista,
que domina toda a paisagem em redor.
O palácio, como o nome indica,
era a residência de Verão da família imperial, datando de meados
do século XVIII e dispondo de vários pavilhões: do despacho, da
residência, da imperatriz, da concubina, etc. No pátio fronteiro ao
edifício principal, encontra-se uma estátua em bronze de um
estranho animal, a fazer lembrar certos bicharocos fantasmagóricos da
Rosa Ramalho, o qual, segundo a lenda, só aparecia na Terra nos
tempos de harmonia.
O
lago, de grandíssimas proporções, é atravessado por várias
pontes, das quais a mais grandiosa e de belo efeito cénico é a
Ponte dos Dezassete
Arcos, destacando-se
ainda, ao longe, em relação ao complexo de edifícios, a ponte
denominada Bossa de
Camelo, pedonal, de um
único arco a fazer lembrar a saliência do dromedário. É ainda de
mencionar o chamado Barco
de Mármore, uma
construção extravagante que repousa na água do lago e que foi
restaurada sob mando da imperatriz Cixi nos finais do século XIX,
quando ali estabeleceu residência, tendo usado para o efeito vastas
somas que eram destinadas à marinha naval chinesa.
Uma
das atracções do Palácio é o chamado Longo
Corredor – um
corredor enorme, de várias centenas de metros, situado no exterior.
Aberto dos lados, num sistema de colunas, sobre as quais repousa um
tecto em traves de madeira, ostenta pinturas com cenas da vida
chinesa na parte interior, recobrindo as colunas e as referidas
traves.
O
espaço exterior do palácio está actualmente afectado ao uso
público como espaço de lazer, estando a navegação no lago
acessível ao público entre os meses de Abril e Outubro. Nesse
período, há carreiras de barcos para percorrer toda a sua vasta
área, podendo também fretar-se barcos de recreio, com pedais.
Aliás, nesta altura do ano da nossa viagem, havia grande animação
turística no espaço exterior do palácio, alimentada sobretudo por
turistas internos, onde se destacavam grandes grupos de jovens, com
todo o ar de fazerem parte de excursões escolares. Fora da área do
palácio, em frente à porta de entrada, estendiam-se várias tendas
de comidas, também muito concorridas, nas quais avultavam petiscos
repulsivos à sensibilidade ocidental, como pequenas espetadas de
escorpiões, insectos, morcegos, etc. - um tipo de comércio de rua
muito vulgar na China, em locais de ajuntamento de pessoas.
Esta etapa da viagem finalizou com uma visita ao parque olímpico, uma área soberba
de construções de grande efeito, em que domina o célebre Ninho
de Pássaro, o
edifício do estádio onde decorreram as imponentes cerimónias de
recepção das delegações olímpicas e de encerramento dos jogos,
transmitidos pela televisão, em 2008 (Olimpíadas de Verão). Obra
de arquitectos suíços, com a colaboração de arquitectos
chineses, tem a forma de um ninho no seu intrincado entrançado
exterior de fios de aço.
O
guia chinês - Zhao Naipu (curso superior de línguas, com
predomínio do castelhano, aprendeu também português numa estadia
de dois anos em Moçambique; tratávamo-lo por Gustavo, que dizia ser
a tradução do seu nome em português) – atira números
mirabolantes: a construção do estádio importou em quatrocentas mil
toneladas de aço; o seu custo, em quatrocentos e oitenta milhões de
dólares; a sua capacidade estende-se a cem mil pessoas.
De
entre as construções no enorme recinto, avulta a da piscina, um
amplo quadrado azul, iluminado na noite, onde outras luzes emprestam
ao local uma variegada paleta de cores. Referindo-se à piscina e ao
estádio em forma de ninho, o guia elucida que simbolizam,
respectivamente, a terra e o céu. Uma obra que sobretudo é um símbolo das altíssimas aspirações chinesas a destacar-se como primeira potência mundial.