03 abril 2006
Polícias e Governo: o que anda no ar e algumas perguntas sem resposta...
A propósito dos ministeriais conflitos sobre tutelas e serviços da Polícia Judiciária, pelo menos no plano jurídico-político, penso que se podem suscitar algumas perguntas, para as quais apenas encontro o início de respostas (desde já agradeço a ajuda que me possa ser dada no seu esclarecimento, de preferência com alguma base empírica...)
A transição de competências da Polícia Judiciária (PJ) para PSP / GNR:
- compromete a lealdade e a dependência funcional relativamente às autoridades judiciárias? Será então a PJ a força que melhor respeita e reconhece a necessidade de subordinação funcional...
- gera problemas ao nível do sigilo? O respeito dos deveres de segredo será menor na PSP / GNR do que na PJ...
- corresponde a um reforço do controlo do executivo? Num quadro jurídico em que a subordinação hierárquica de PJ, PSP e GNR ao Governo não parecem ser no essencial distintas em termos jurídicos, será que na prática a PJ funciona de forma autónoma ou é simplesmente mais consciente da sua dependência funcional ao MP em matéria de investigação criminal do que a PSP e GNR, ou, ou...
- implica uma prevalência sistemática dos fins preventivos ou de segurança sobre os repressivos? determina uma politização da investigação criminal? Etc, etc, etc...
Gostaria de regressar a este tema até por que me parece que nesta matéria se jogam alguns aspectos fundamentais da organização do poder no Estado de direito.
E aqui não resisto a um confessado momento MRP recordando o que escrevi há quase 6 anos na Revista do Ministério Público nº 82:
«Goldschmidt sublinhava há mais de 60 anos que os princípios da política processual de uma nação não são outra coisa que segmentos da sua política estatal em geral. Podendo-se dizer que a estrutura do processo penal de uma nação é o termómetro dos elementos corporativos ou autoritários da sua Constituição. [...]
«A proposta de lei recentemente aprovada em Conselho de Ministros denominada de organização da investigação criminal confirma os limites compreensivos das teses historicistas podendo ser melhor analisada à luz da concepção de Karl Popper que nos explica por que razão na história nos vemos confrontados, muito mais do que nas ciências generalizadoras como a ciência do direito, com os problemas do seu «tema infinito» (pp. 137-138).
Estava-se então no consulado de Costa, António no Ministério da Justiça (depois da «passagem» de Costa, Alberto pela Administração Interna) altura em que esse ministro da Justiça parecia merecer o apoio das diversas hierarquias da PJ no seu empenho reformista quer quanto a essa lei dita de organização da investigação criminal quer quanto à alteração da Lei Orgânica da PJ, quer em vários outros momentos reveladores de uma certa cultura.
Pelo que não consigo deixar de olhar com alguma ironia os recentes desenvolvimentos e as perturbações geradas, especialmente entre aqueles (em particular polícias e magistrados) que então não queriam ouvir falar de eventual «policialização e politização do processo penal» (quando em leis ditas de polícias se terá tentado regular problemas de processo) e hoje parecem bem mais sensíveis à invocação de princípios do processo penal (quando na direcção política das polícias apenas se trata de forma directa das divisões de tarefas entre polícias)!