18 maio 2006

 

Exílio dourado

A ex-somali e, ao que parece, ex-holandesa Ayaan Hirsi Ali "refugiou-se" nos EUA e foi imediatamente recrutada pelo think tank (que bela expressão!) neoconservador American Enterprise Institute de Washington. Este facto fez rolar na nossa imprensa (refiro-me sobretudo ao nosso neoconservative José Manuel Fernandes) lágrimas de solidariedade e impropérios rudes contra a falsa tolerância da Holanda, em contraste com a atitude magnânima dos EUA.
Mais uma vez a ideologia obscurece o discernimento. Em primeiro lugar, não foi a tolerante Holanda que terá retirado a nacionalidade à dita senhora, mas sim a parcela intolerante da Holanda que está no poder actualmente e que tem seguido uma política restritiva relativamente à imigração, ao arrepio da tradicional política holandesa, mas com o apoio de toda a direita holandesa e europeia. Foi a aplicação da legislação existente, e que penso que até agora não suscitara crítica por parte da ex-deputada (pelo menos tal não foi noticiado), que lhe terá ditado a perda da nacionalidade.
Em segundo lugar, a Holanda acolheu muito bem a refugiada da Somália, integrou-a como cidadã e deu-lhe acesso à actividade política e parlamentar, e ainda lhe deu toda a protecção requerida para exprimir as suas ideias, cada vez mais polémicas. Porque ela, com um vedetismo de primadonna, insistia permanentemente nas suas diatribes anti-islâmicas, com prejuízo para o diálogo com a comunidade islâmica holandesa, diálogo que é obviamente necessário para isolar o radicalismo e integrar os imigrantes muçulmanos na sociedade holandesa. E foram aqueles que lhe estimularam os seus ímpetos anti-islâmicos e a puxaram para a direita que agora a empurraram para fora. Não a tolerante Holanda, que é socialmente maioritária, mas a outra, a que agora está no poder.
Por último, não vale a pena chorar. A senhora pode agora funcionar plenamente como um verdadeiro ícone na "guerra ao terrorismo". Está no sítio certo para isso. E um exílio como este, que diabo, será assim tão mau?





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