21 maio 2006

 

O fim da História

Estamos numa fase social que, pelos vistos, pode ser definida assim: não há classes sociais, no sentido de classes dominantes e dominadas, pelo que passou a fase das revoluções; não há política, porque esta foi devorada pela economia; não há consequentemente oposição e não há ideologia.
No capítulo das classes, a classe capitalista já foi abolida, passando a dar lugar a outra realidade sociológica na esfera dos modos de produção, designada ora como a classe (?) dos «empreendedores», ora dos «empregadores». Qualquer das designações tem subjacente a nova filosofia (não confundir com ideologia) que anima uma tal classe, se assim se lhe pode chamar: a filosofia do dinamismo social ou do inter – relacionamento harmónico.
Pelo que diz respeito aos trabalhadores, estes também mudaram de estatuto, passando a ser o outro elo na cadeia do citado inter – relacionamento. São os empregados que os empregadores empregam ou gente em busca de emprego, de uma ocupação profissional, sendo que cada vez há mais pessoas desocupadas ou mal empregadas, em busca permanente de um qualquer emprego ou de um emprego compatível. Por isso se diz que aqueles felizardos que têm emprego certo são privilegiados em relação aos que o não têm ou que o têm em condições precárias.
Não havendo classes contrapostas em luta umas contra as outras, o que há é uma espécie de sociedade tendencialmente horizontal, em que remanescem grupos com privilégios, conquistados à sombra da antiga sociedade reivindicativa, e outros grupos que não têm privilégios. Estes grupos não coincidem rigorosamente com as extintas classes sociais, pois há toda uma outra semântica que envolve o termo «privilégio». Privilegiado pode ser muito simplesmente, como se disse, quem tenha trabalho assegurado, ou direito a férias pagas ou até, porventura, direito a uma remuneração certa. Quem se aferre a esses antigos direitos da sociedade velha e não esteja disposto a abdicar deles em nome do interesse colectivo é um privilegiado empedernido.
A política também desapareceu, ao menos no sentido de política partidária, de esquerda ou de direita, para dar lugar à gestão eficaz da coisa económica e promover a competitividade em prol da comunidade no seu conjunto. O que há é «uma enorme convergência ao centro sobre as políticas fundamentais». Daí a crise da oposição, que subitamente se viu sem emprego e sem forma de conquistar o poder. Para conquistar o poder é preciso ideologia, alternativas, contrapropostas, e manifestamente não há nada de nada. Em bom rigor, a oposição, se quisesse ter honestidade intelectual, teria que admitir isso mesmo: que não há alternativas. Veja-se, por exemplo, o PPD/PSD em confronto com o PS. Este, segundo vários analistas (veja-se o jornal «Público» do dia 19), está a fazer a política do PPD/PSD e porventura até melhor, pelo que o PPD/PSD até deveria aplaudir. Mas, se aplaudisse, deixava de ser oposição.
Como ser oposição, pois? Eis uma dramática questão de verdadeira ontologia política.
Se calhar, perante este panorama, teríamos de admitir honestamente que não há espaço para os partidos políticos, que serão sobrevivências do velho mundo. Ou, ao menos, para o pluralismo político-partidário. Um só partido, nesta grande convergência para o centro, bastaria.
Não havendo alternativas políticas, ideológicas, económicas, há quem procure na moral e na ética a salvação. O caminho estaria num centramento em questões de justiça e de moral e na criação de elites de «conhecimento e de virtude» (João Maria de Freitas Branco, no mesmo número do «Público»).
Em suma, parece que estamos no tal «fim da História», em que já não há classes com interesses contrapostos, mas só privilegiados e não privilegiados, não há ideologias e não há oposição. E quase não há (ou pretende-se que quase não haja) Estado. Resta, então, o caminho da virtude e do aperfeiçoamento moral dos indivíduos.





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