01 junho 2006

 

PROTEGER A VIDA SEM JULGAR A MULHER

Na linha dos princípios que norteiam o Sine Die, enunciados na nota de abertura, tenho o maior gosto de publicar, em reacção a este postal de Maia Costa, um texto de Pedro Vaz Patto:

Fico muito grato pelo facto de a iniciativa legislativa de cidadãos Proteger a Vida sem Julgar a Mulher (www.protegersemjulgar.com), de que sou um dos promotores, ter merecido a atenção do Dr. Maia Costa, apesar da sua posição crítica a respeito dessa iniciativa, que seria de esperar face ao que vem escrevendo sobre a temática da legalização do aborto.
Não queria deixar de comentar essa sua posição crítica.
Em primeiro lugar, queria esclarecer melhor o teor e sentido da iniciativa.
Quando o Dr. Maia Costa diz que a solução proposta não poupa a mulher que abortou à exposição pública decorrente do seu testemunho no julgamento dos outros intervenientes nessa prática, importa referir que está acautelada tal situação, consignando-se no projecto-lei (no nº 4 do seu artigo único) que a intervenção dessa mulher na produção de prova em fases ulteriores do processo ou em processo conexo relativo a terceiros (e ele própria pode ter um qualquer interesse nessa produção de prova) fica dependente do seu consentimento. É, de qualquer modo, o regime que se coaduna com os princípios gerais do processo penal, quer ela mantenha, apesar da suspensão provisória do processo no que lhe diz respeito, o estatuto de arguida no mesmo processo, quer intervenha na qualidade de testemunha nesse ou noutro processo conexo, sendo, neste caso, aplicável o regime o artigo 133º, nº 2, do C.P.P., que também condiciona esse depoimento ao seu consentimento expresso.
Diz o Dr. Maia Costa que a proposta revela a “incomodidade” dos defensores da criminalização do aborto ao assumirem todas as consequências desta. Não sei se poderá falar-se em “incomodidade”. O que posso afirmar com segurança é que está longe de nós qualquer ambiguidade a respeito da criminalização do aborto e que assumimos a proposta em estrita coerência com os princípios que nos levam a defender essa criminalização. O que pretendemos é distinguir a censura do erro e a gravidade objectiva do crime (porque está em jogo a vida humana, o bem jurídico que é pressuposto de todos os outros) e a consideração da responsabilidade subjectiva da pessoa que erra, frequentemente atenuada. Não consideramos contraditória a censura firme do erro e a atitude tolerante e solidária para com a pessoa que erra. Não é uma incoerência defender a vida com a mulher e não contra a mulher.
Diz ainda o Dr. Maia Costa que a proposta não atinge a raiz do problema, que é o aborto clandestino. A nós, parece-nos que o drama do aborto clandestino não desaparece quando este é legalizado, porque o drama reside no próprio aborto, que não é um bem para ninguém e, por isso, nunca pode ser encarado como um direito. Com a legalização, a dimensão desse drama é agravada, porque passa a realizar-se com a colaboração activa do Estado e tende a banalizar-se, como o demonstra a experiência dos países que seguiram essa via.
O aborto nunca é um bem para a própria mulher, atinge-a profundamente no seu bem estar psíquico, como a experiência também o demonstra cada vez mais (vejam-se, por exemplo, os sites www.silentnomoreawareness.org e www.vozvictimas.org).
E, como é óbvio nunca é um bem para o ser que com o aborto (legal ou clandestino) se vê privado da vida, o bebé, a criança não nascida, o nascituro, o feto, o embrião. Podemos dar-lhe o nome que quisermos, o que não podemos é esquecer que ele existe (com tantas vezes esquecemos nestas discussões, reduzidas à escolha entre aborto legal e clandestino), ou que é menos digno de tutela por estar na fase inicial da existência, não ter voz, ser mais fraco ou não ter ainda desenvolvidas todas as suas capacidades humanas (como também não tem o recém-nascido ou a criança).
Não se trata de um valor abstracto. Quando se contemplam os rostos das crianças que nasceram graças ao oportuno apoio de alguém particularmente motivado pela defesa da vida, vemos que não se trata de um valor abstracto. Essa riqueza que representa sempre a vida humana ter-se-ia perdido se, em vez de se apoiar e facilitar a maternidade, fosse facilitado o aborto, como se verifica quando este é legalizado.
Atingir a raiz do problema é enfrentar as causas do aborto (a desestruturação da família, a desresponsabilização do pai, a exclusão social, a precariedade laboral), que levam muitas mulheres a tomar a opção que não corresponde ao seu sentir mais profundo e que certamente não tomariam se lhes fossem dadas alternativas. Sabemos bem que não é a nossa iniciativa, por si só, que vai resolver essas situações, embora possa modestamente contribuir para isso, pois pretende associar à suspensão provisória do processo medidas de apoio psico-social que vão de encontro a essas causas. O combate ao aborto não assenta basicamente na intervenção penal (que não deixa de ter o seu papel de afirmação solene dos valores em causa), mas nesse tipo de apoios. Mas o que também sabemos é que não é a legalização do aborto que enfrenta a raiz do problema. Essa legalização tornar-se-á mesmo um incentivo à desresponsabilização do Estado e da sociedade (porque está garantido o “aborto livre e seguro”, nada mais há a fazer) no que se refere ao combate a essas causas.

Pedro Vaz Patto





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)