31 julho 2006

 

Cinquenta cêntimos para fazer xixi

Bem sei que o tema é baixo-ventral, pesadamente fisiológico e, portanto, impróprio de um blogue culto. Mas não estarão os temas do quotidiano, agora que toda a gente emite opinião sobre assuntos, por assim dizer, de grande envergadura, relegados para um plano menos que secundário, inexistente? Onde está a crítica da vida quotidiana? E, no entanto, é através do quotidiano que se captam, às vezes, os flagrantes da vida autêntica das pessoas, aquela vida que, sendo pequena vida, entronca na grande vida colectiva de um extracto da população e mesmo de todo um povo.
Como se irá ver, esta pequena história (autêntica), que surpreendi no primeiro dia de descontracção de férias, quando readquirimos a sensibilidade para o que se passa à nossa volta, tem a ver com o orçamento – porventura não só com o micro-orçamento de certas pessoas, mas com o grande orçamento do país, aquele que se escreve com maiúsculas.
Duas mulheres dos seus sessenta, sessenta e picos, esperavam, sentadas num banco, o comboio não sei para onde – uma terra nos arredores do Porto. Às tantas, uma delas, com cara de sofrimento, diz:
“Tenho tanta vontade de fazer xixi! Estou mesmo aflita!”.
A outra:
«Vê lá se aguentas. Agora também falta pouco para o comboio.»
«Ai não sei. Estou mesmo à rasca. Podia ir ali à casa de banho, mas são cinquenta cêntimos!»
«Pois são.»
«Vou ver se consigo esperar pelo comboio. Depois faço lá dentro.» Interveio uma outra senhora, que estava de pé a ouvir a conversa:
«Olhe que lá dentro não há casa de banho.»
«Ai não?» - interrogou a aflita, ainda mais aflita.
«Não, não. Os comboios que andam por aqui deixaram de ter casa de banho.»
«Não me diga!»
«Agora só os que vão para longe é que têm casa de banho.»
«Homessa! E então se uma pessoa tiver vontade, faz pelas pernas abaixo?»
«Agora é assim. Eles estão sempre com estas modernices que só prejudicam as pessoas.»
A outra fez uma carranca de sofrimento:
«E eu que estou com tanta vontade!»
A que interveio deitou as mãos à carteira:
«Olhe, parece-me que tenho para aqui cinquenta cêntimos.» Abriu a carteira e sacou a moeda, que fez menção de entregar à que estava aperreada pela vontade de fazer xixi.
«Ai minha senhora, se não se importa, eu vou mesmo aceitar…»
«Pois aceite!»
«É que eu só tenho quinhentos escudinhos - aqui retomou a linguagem da antiga moeda – para comer durante a semana. Cinquenta cêntimos fazem-me muita falta. De maneira que se a senhora não se importa…»
Apanhou a moeda e deitou a correr para a casa de banho.





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