25 outubro 2006
Colarinho branco, colarinho apertado
O caso citado no postal imediatamente anterior, de Patrícia Naré Agostinho, versando a condenação de um dos executivos da Enron, é mais um daqueles que ilustra bem o estado da justiça penal do lado de lá do Atlântico. Muitos exultarão com o facto de gente tão poderosa poder ser condenada em penas tão severas, ao contrário do que se passa cá e no resto da Europa, em geral. Dirão: na América é que é; ali a Justiça é para todos.
Mas o que por vezes é bem menos conhecido é o “processo”, o modo de chegar a condenações como aquelas. E, nos E. U. A., isso consegue-se, como parece ter sucedido com o executivo em causa, com a extrema penalização do exercício constitucional do direito a ser julgado por um júri, penalização esta que, segundo alguns estudos, pode montar a um diferencial de pena acima dos 500% (!), relativamente à aplicada aos que se declarem culpados da prática de crime idêntico e renunciem, assim, ao julgamento.
Uma "nova" lei em vigor, ao nível federal (o Sarbanes-Oxley Act 2000), juntamente com as famigeradas Federal Sentencing Guidelines, alterou de modo extraordinariamente severo o quadro sancionatório relativo aos crimes de colarinho branco e colocou na mão do MP toda a instrumenta (leia-se, plea bargaining, doutrina do respondeat superior, que fica paredes meias com hipótese de responsabilização penal objectiva, etc.) necessária para arrancar, por todos os meios, uma confissão. Parece que os métodos do Guantanamo não são permitidos, por enquanto.
Para além disso, a mera instauração de uma investigação criminal produz efeitos, por assim dizer, colaterais, como por exemplo processos cíveis contra a empresa, perseguição pelas entidades reguladoras do sector, afastamento da contratação com o Estado, etc. O que, conjugado com um apurado sistema de delação garantido pelo chamado substancial-assistance bargaining (isto é: colaboras com o prosecutor e vamos ser suaves contigo), isola o prevaricador e fá-lo entregar-se, sem luta, nas mãos do MP. Que ainda faz papel de Madre Teresa ao propor, nesse caso, uma pena muito "mais leve" para o arguido, assim despido de praticamente todas as garantias constitucionais.
Sobre esse inqualificável estado das coisas, que, por paradoxo, aproxima radicalmente o sistema norte-americano de um modelo inquisitório, é muito interessante um artigo publicado na Buffalo Law Review, que versa o caso de Martha Stewart, Arthur Andersen e outros executivos da Enron.
Mas o que por vezes é bem menos conhecido é o “processo”, o modo de chegar a condenações como aquelas. E, nos E. U. A., isso consegue-se, como parece ter sucedido com o executivo em causa, com a extrema penalização do exercício constitucional do direito a ser julgado por um júri, penalização esta que, segundo alguns estudos, pode montar a um diferencial de pena acima dos 500% (!), relativamente à aplicada aos que se declarem culpados da prática de crime idêntico e renunciem, assim, ao julgamento.
Uma "nova" lei em vigor, ao nível federal (o Sarbanes-Oxley Act 2000), juntamente com as famigeradas Federal Sentencing Guidelines, alterou de modo extraordinariamente severo o quadro sancionatório relativo aos crimes de colarinho branco e colocou na mão do MP toda a instrumenta (leia-se, plea bargaining, doutrina do respondeat superior, que fica paredes meias com hipótese de responsabilização penal objectiva, etc.) necessária para arrancar, por todos os meios, uma confissão. Parece que os métodos do Guantanamo não são permitidos, por enquanto.
Para além disso, a mera instauração de uma investigação criminal produz efeitos, por assim dizer, colaterais, como por exemplo processos cíveis contra a empresa, perseguição pelas entidades reguladoras do sector, afastamento da contratação com o Estado, etc. O que, conjugado com um apurado sistema de delação garantido pelo chamado substancial-assistance bargaining (isto é: colaboras com o prosecutor e vamos ser suaves contigo), isola o prevaricador e fá-lo entregar-se, sem luta, nas mãos do MP. Que ainda faz papel de Madre Teresa ao propor, nesse caso, uma pena muito "mais leve" para o arguido, assim despido de praticamente todas as garantias constitucionais.
Sobre esse inqualificável estado das coisas, que, por paradoxo, aproxima radicalmente o sistema norte-americano de um modelo inquisitório, é muito interessante um artigo publicado na Buffalo Law Review, que versa o caso de Martha Stewart, Arthur Andersen e outros executivos da Enron.