27 outubro 2006

 

Tarrafal: 70 anos depois

Vi o anúncio do Colóquio:"Salazarismo, Tarrafal, Guerra de Espanha: História e Memória 70 anos depois"
Coordenação:Fernando Rosas (IHC/UNL) Manuel Loff (IHC/FLUP) - 27 e 28 de Outubro 2006 (Lisboa) Auditório da Torre do Tombo e 3 e 4 de Novembro (Porto) Faculdade de Letras - e lembrei-me do
Excerto de Tarrafal, o pântano da morte, de Cândido de Oliveira:

“Ao abandonarmos a vila do Tarrafal pela estrada que se dirige para a aldeia de Chambom, separando o pântano da Achada Grande da cadeia do monte que emoldura a baía, divisa-se logo, à direita, em frente, o talude rectangular que protege o campo, em jeito de fortaleza colonial, encimado pelos torreões para metralhadoras, nos quatro cantos do rectângulo, e pelas guaritas dos soldados. Dois ou três quilómetros andados por entre duas alas de raquíticas purgueiras, de folhagem semelhante à da figueira, abre-se uma rotunda murada, donde irradiam quatro estradas: aquela que seguimos, aquela que a prolonga até à aldeia do Chambom; uma terceira, à esquerda, que conduz ao "Chalet do Monte", vivenda do director da Colónia; e a quarta, à direita, a mais larga, construída pelos deportados, a nascer entre duas colunatas de pedra, unidas superiormente por um estreito arco, em ferro, onde está inscrita a legenda: "Colónia Penal do Tarrafal".Estamos na Colónia. A estrada passa a chamar-se pomposamente "Avenida do Chambom". Desce em direcção ao mar, num desenvolvimento de uns seiscentos metros e termina numa pequena horta, mesmo à beira-mar, onde existe o poço de captação de água que abastece o Campo e a população das imediações.A Avenida tem uns dez a quinze metros de largo e é quase toda ela debruada por acácias rubras, ainda raquíticas, plantadas há uns três anos, e confiadas ao carinho dos presos da brigada das árvores.Quando se desce a Avenida, deixamos, à mão esquerda, a central eléctrica, a parada da Companhia Indígena, dois ou três pequenos edifícios destinados aos oficiais e sargentos e, no mesmo plano, mas no outro lado da parada, na margem da Ribeira do Chambom, as casernas dos soldados, a cozinha e os depósitos de material, e tudo arrumado dentro de um amplo quadrilátero, circundado por duas ordens verticais de arame farpado.Mais abaixo, encontram-se, também do lado esquerdo, três barracas em madeira, de boa construção, suspensas no ar, assentes em pilastras de um metro de altura. Têm o jeito de "bungalows" ingleses. Foram construídas na Alemanha e tinham ido para Cabo Verde, quando da tentativa da fundação de um Campo de Concentração na Ilha de S. Nicolau. Nessas três barracas vivem os guardas e o topo de uma delas é ocupado pela farmácia da Colónia.Deste lado da Avenida nada mais existe, a não ser a Frigideira, a prisão da Colónia, horrenda construção em cimento armado, a que havemos de nos referir. Está afastada uns duzentos metros da avenida, sobre a margem da Ribeira de Chambom, no prolongamento das casernas dos soldados de Angola.À direita de quem entra na Colónia, fica o Campo de Concentração- a aldeia tumular dos deportados, com uma fachada de terra, em talude, numa extensão de duzentos metros, quebrado ao centro pela porta, nome por que é conhecida a entrada naquele horrível sorvedouro de vidas humanas; entre a avenida e talude, à esquerda da porta há um barracão de madeira, idêntico aos anteriores, onde está instalada a secretaria; e, mais além, um edifício de alvenaria, utilizado para messe dos guardas e depósito de géneros. Finalmente uma outra barraca de madeira- o Armazém! O mercado da Colónia. Com o seu mercado negro ou clandestino. Um bilhete que se passa, destinado ao Campo, com as últimas notícias da guerra; uma carta clandestina para o interior, um jornal... uma revista... um mapa de guerra... Coisas simples e sem importância real a não ser no Tarrafal, porque ajudam a matar o isolamento cruel a que estão sujeitos os deportados que foram sepultados em vida no Campo de Concentração.Para além da espessa e alta muralha de terra, do profundo e largo fosso, da intrincada e agressiva teia de arame farpado está o Campo.Colónia e Campo não têm ali a mesma compreensão. Justificadamente. A Colónia significa toda a área da Achada Grande, de um quilómetro quadrado, adquirida pelo Estado, e desgarrada da jurisdição do governador de Cabo Verde para ficar directamente dependente do capitão Agostinho Lourenço da PVDE.A área da Colónia não pertence nem depende do Ministério das Colónias. É zona autónoma. As autoridades locais não têm a menor jurisdição sobre aqueles terrenos nem sobre os indivíduos que neles vivem. Nem ali podem entrar sem prévia autorização do director do Campo de Concentração, que depende sob todos os aspectos do Ministério do Interior.É uma dependência da PVDE! Como o Forte de Caxias ou o Forte de Peniche ou a cadeia do Aljube. Enquadra-se na série de depósitos de presos à disposição da polícia política, e sujeitos à autoridade discricionária do capitão Agostinho Lourenço- o Krammer português- o que lhe permite transferir livremente o preso político de um depósito para outro... A passagem do Aljube para Caxias ou de Peniche para o Tarrafal é da competência do director da PVDE!Deste modo, a Colónia, é terreno feudal. Nem o Ministério da Justiça, nem o Ministério das Colónias, nem qualquer outra autoridade pode intervir ou conhecer o que se passa no Tarrafal".
(fonte:http://historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/065456.html)





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