26 março 2007

 

Casamento e concepções de ordem «filosófico- confessional» – um segundo comentário



Tentando formular um comentário que vá agora um pouco além das margens da discussão (1, 2, 3, 4 e 5), parece-me que a limitação do casamento no actual Código Civil não corresponde a uma exclusão da tutela jurídica das «comunhões de vida» em virtude da orientação sexual mas a um contrato tipo com várias limitações (ou se se quiser «sinais valorativos com forte carga restritiva»), a mais impressiva das quais não sei se será a diferença de género dos contraentes se a limitação à contratação apenas a duas partes, especialmente quando nenhuma das partes pode manter mais do que um contrato em simultâneo, além de outras condicionantes como as relativas aos laços de parentesco entre os elementos do par, mesmo que de diferente género.
Não me parece que os contornos jurídicos do casamento civil derivem de estritas vinculantes de ordem «filosófico-confessional», de qualquer modo não pretendo embarcar pela genealogia da instituição (que ajudaria a desmentir essa hipótese) mas simplesmente destacar o dado que suponho consensual: o contrato de casamento vigente na lei ordinária portuguesa tem um lastro histórico que o conforma.
Naturalmente essa marca histórico-cultural tem implicações ideológicas no presente que implicam desde a adesão (com variantes entusiásticas que podem integrar a nostalgia por um outro quadro socio-cultural), à rejeição (que também pode ir da estrita opção pessoal à ambiciosa reforma social) ou indiferença.
Ou seja, compreende-se que a carga da instituição implique para alguns a pretensão de rotura, que aliás não seria inédita, o que me parece é que, assim sendo, a via mais saudável será assumi-lo sem tibiezas com o fim do «casamento», ainda que substituído por outros contratos típicos ou atípicos de «comunhão de vida» mais ou menos flexíveis quanto ao género e número dos contraentes, outros impedimentos e efeitos do contrato, sem enfeudamentos à figura rejeitada. Ou se o problema não é o casamento mas a disponibilização de contratos que satisfaçam as pretensões de tutela de «partilhas afectivas» e «comunhões de vida» não integráveis no actual modelo de casamento, repetindo-me, diria que a questão política passa a ser sobre a «possibilidade, além do casamento actualmente previsto no Código Civil, de outro tipo de contratos de “comunhão de vida”».
Sem opinar sobre a perspectiva evolucionista (sobre «modelos ultrapassados», «sentido da mudança» ou «evolução do meio humano» já aqui referidos) e as concepções filosóficas inerentes, entendendo-se que não constitui um imperativo constitucional a previsão do contrato de casamento para duas pessoas do mesmo género, ou para todas as pessoas que têm uma, ou mais, «partilhas afectivas» e pretendem uma «comunhão de vida» (ou várias), parece-me que a decisão do modelo contratual de regulação jurídica das «comunhões de vida» depende de uma «maioria» (imperativo democrático que, aliás, constitui o principal legitimador da própria Constituição).
Por último, também me parece que as diferentes perspectivas filosófico-culturais nesta matéria não dependem, no fundamental, de opções confessionais, aliás, se calhar existem proximidades insuspeitas entre aqueles que, ainda que preconizando vias antagónicas, partilham a ideia de que «a realização enquanto pessoa» depende de uma normatividade consagratória e não se satisfazem com um direito à prossecução da felicidade que compreenda, no essencial, abstenções de intervenção «de uma qualquer maioria ou de uma qualquer minoria».

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