21 março 2007

 

Nas margens de uma discussão – um comentário moralmente comprometido



O Ricardo Matos termina o seu postal de 17-1-07, que só li hoje depois de um isolamento informático já aqui referido, com as seguintes palavras:
«Niilismo? Erotismo? Pessoalmente, prefiro humanismo democrático. Que, despojando-se de conceitos ou "princípios estruturantes" moralmente comprometidos (com uma qualquer maioria ou com uma qualquer minoria), deixa de impor limites à realização da pessoa, respeitando a individualidade de cada uma e as diversas formas legítimas (mesmo aquelas milenares) através das quais se manifesta».

Sendo certo que o texto se insere numla discussão com o Pedro Soares Albergaria sobre a possibilidade da figura jurídica do casamento civil abranger uniões de duas pessoas do mesmo sexo (1; 2 e 3), eu pretendia cingir um primeiro comentário a um elemento marginal, que parece ser, simultaneamente, uma pretensão e um método no trecho citado, o «despojamento» de «’princípios estruturantes’ moralmente comprometidos».

Se bem entendi, a discussão dos meus colegas de blog, ainda que referenciada ao acórdão da Relação de Lisboa, evoluiu para a solução legal preferida sobre o problema de o contrato de casamento dever apenas poder ser celebrado entre duas pessoas de sexo diferente ou também compreender duas pessoas do mesmo sexo.
O que me parece é que qualquer das posições se baseia, se tem de basear, em «’princípios estruturantes’ moralmente comprometidos», sejam eles marcados pela defesa da absoluta igualdade de tratamento jurídico de uniões de duas pessoas independentemente da diferença ou identidade de género ou pelo alegado sentido histórico cultural da instituição. Aliás o livro do Código Civil que regula o direito da família está essencialmente carregado de «’princípios estruturantes’ moralmente comprometidos», inclusive nas regras objecto da reforma de 1977 que consagraram alguns princípios antinómicos dos que então foram revogados.
A isenção relativamente a «’princípios estruturantes’ moralmente comprometidos» poderia, eventualmente, ser a pretensão metodológica no tratamento jurídico-constitucional da questão, no fundo se a Constituição impõe, proíbe ou remete para a lei ordinária o alargamento do casamento a uniões entre pessoas do mesmo sexo, mas os sentidos dos postais parecem clara e saudavelmente ir além dessa estrita questão...
Será aliás desejável que esta e outras questões, como a possibilidade de, além do casamento actualmente previsto no Código Civil, poder haver outro tipo de contratos de «comunhão de vida» (e se com esse ou outro nome jurídico), com diferentes requisitos e efeitos e se num novo quadro, com maior liberdade de escolha de contratos de «comunhão de vida» se justifica a intervenção jurídica estadual em situações de facto, depende de um debate alargado (que curiosamente tem sido muito incipiente no nosso país) que não ilida os diferentes «’princípios estruturantes’ moralmente comprometidos» sobre a intervenção do Estado e a liberdade individual.
Aliás a própria definição da comunicação sobre este e outros temas na esfera pública de uma sociedade democrática deriva de «’princípios estruturantes’ moralmente comprometidos», em particular a liberdade de expressão, o que, naturalmente, compreende a legítima assunção de diferentes princípios a propósito da regulação jurídica pelo Estado das «comunhões de vida».

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