21 março 2007
"Humanismo democrático?"
E podia lá ser humanismo anti-democrático ou mesmo democracia anti-humanista? E quem é contra o casamento homossexual é anti-democrata e anti-humanista?
O problema destas etiquetas é que, sendo efectivamente atractivas (lá está: quem for contra não pode ser humanista e democrata – e todos gostam de ser humanistas e democratas; logo não convém ser contra), divertem a discussão daquilo que é nesta sede essencial. Ora, o que está em causa não é julgar qualquer orientação em matéria sexual e nem colocar obstáculos às relações ou afectos que as pessoas, a seu bel talante, entendam por bem estabelecer. Cada um procura a sua felicidade como bem entende. O que está em causa é saber se o Estado tem ou não razões para continuar a distinguir, como forma institucional de constituição de família, o casamento (sublinho, o casamento) enquanto relação heterossexual, dele excluindo as relações homossexuais, as relações poligâmicas, etc., como sempre fez.
Nesta como noutras questões conexas, julgo que a comunidade politicamente organizada tem uma palavra a dizer e cabe-lhe fazer opções. Tão só a título ilustrativo, cabe-lhe decidir ainda sobre se é aceitável a adopção de crianças por casais do mesmo sexo (uma questão que na política de pé ante pé que rege nesta matéria foi, para já, estrategicamente, deixada de fora) ou se é aceitável o fomento e a promoção (como já se faz em alguns, poucos, países) da chamada “literatura gay friendly” para crianças, digamos de 4 anos de idade (lá está a etiqueta: quem não for gay friendly em matéria de literatura infantil é contra os homossexuais), com histórias como aquela do príncipe que recusa três donzelas e casa com outro príncipe, ou de dois pinguins macho que adoptam um ovo, ou de dois reis em lua-de-mel.
A pergunta é se todas estas soluções, ou algumas delas (pois é óbvio que as objecções que se possam erguer a umas e outras não têm a mesma intensidade), são aceitáveis. Pode ser que sim, mas parece que o ónus da prova da bondade das mesmas caberá àqueles que as propugnam. E não me parece que esse ónus esteja satisfeito com a alegação genérica de que assim é que se é “humanista” e “democrata”.
Já quanto à argumentação desenvolvida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não me cabe escrutiná-la aqui, por razões óbvias. No entanto, sempre direi que em face da actual redacção da Lei Constitucional e do Código Civil, no que a esta matéria respeita, só porventura desbordando dos dados normativos poderia decidir-se em sentido distinto. Não quero dizer, é óbvio, que Constituição obsta a uma alteração da lei ordinária no sentido de ficar consagrada a possibilidade de casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Ao remeter para a lei ordinária ela mostra-se especialmente flexível, neste particular. Mas precisamente por isso, enquanto as pertinentes normas do Código Civil não forem alteradas, pode bem dizer-se que é o casamento heterossexual que a Lei Fundamental acolhe. E nem por isso parece que se possa dizer que é um documento anti-democrático ou anti-humanista...
PS: uma bibliografia muito completa e actualizada sobre o tema, contra e a favor, pode consultar-se aqui.
O problema destas etiquetas é que, sendo efectivamente atractivas (lá está: quem for contra não pode ser humanista e democrata – e todos gostam de ser humanistas e democratas; logo não convém ser contra), divertem a discussão daquilo que é nesta sede essencial. Ora, o que está em causa não é julgar qualquer orientação em matéria sexual e nem colocar obstáculos às relações ou afectos que as pessoas, a seu bel talante, entendam por bem estabelecer. Cada um procura a sua felicidade como bem entende. O que está em causa é saber se o Estado tem ou não razões para continuar a distinguir, como forma institucional de constituição de família, o casamento (sublinho, o casamento) enquanto relação heterossexual, dele excluindo as relações homossexuais, as relações poligâmicas, etc., como sempre fez.
Nesta como noutras questões conexas, julgo que a comunidade politicamente organizada tem uma palavra a dizer e cabe-lhe fazer opções. Tão só a título ilustrativo, cabe-lhe decidir ainda sobre se é aceitável a adopção de crianças por casais do mesmo sexo (uma questão que na política de pé ante pé que rege nesta matéria foi, para já, estrategicamente, deixada de fora) ou se é aceitável o fomento e a promoção (como já se faz em alguns, poucos, países) da chamada “literatura gay friendly” para crianças, digamos de 4 anos de idade (lá está a etiqueta: quem não for gay friendly em matéria de literatura infantil é contra os homossexuais), com histórias como aquela do príncipe que recusa três donzelas e casa com outro príncipe, ou de dois pinguins macho que adoptam um ovo, ou de dois reis em lua-de-mel.
A pergunta é se todas estas soluções, ou algumas delas (pois é óbvio que as objecções que se possam erguer a umas e outras não têm a mesma intensidade), são aceitáveis. Pode ser que sim, mas parece que o ónus da prova da bondade das mesmas caberá àqueles que as propugnam. E não me parece que esse ónus esteja satisfeito com a alegação genérica de que assim é que se é “humanista” e “democrata”.
Já quanto à argumentação desenvolvida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não me cabe escrutiná-la aqui, por razões óbvias. No entanto, sempre direi que em face da actual redacção da Lei Constitucional e do Código Civil, no que a esta matéria respeita, só porventura desbordando dos dados normativos poderia decidir-se em sentido distinto. Não quero dizer, é óbvio, que Constituição obsta a uma alteração da lei ordinária no sentido de ficar consagrada a possibilidade de casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Ao remeter para a lei ordinária ela mostra-se especialmente flexível, neste particular. Mas precisamente por isso, enquanto as pertinentes normas do Código Civil não forem alteradas, pode bem dizer-se que é o casamento heterossexual que a Lei Fundamental acolhe. E nem por isso parece que se possa dizer que é um documento anti-democrático ou anti-humanista...
PS: uma bibliografia muito completa e actualizada sobre o tema, contra e a favor, pode consultar-se aqui.