28 fevereiro 2008

 

A hora dos professores

Os professores foram a primeira vítima da governação socrática. Apontados a dedo como preguiçosos e manhosos, obstáculo principal à melhoria do ensino, privilegiados que não queriam abrir mão dos ditos privilégios, sempre disponíveis para greves, faltosos incorrigíveis, tudo isso para gáudio da populaça, que naqueles programas de "antena aberta" vociferavam: "vão trabalhar, malandros".
Mas agora os professores querem recuperar a dignidade perdida. Estão fartos de ser bombos da festa. As manifestações por todo o lado, mesmo pelo Portugal profundo, a que acorre muita gente que votou no partido do Governo, parece mostrarem um ponto de viragem. Pode ser que me engane, mas talvez realmente estejamos num momento de viragem. Pelo menos o discurso da intransigência talvez tenha os dias contados.

 

Notícia sem referência em jornal de referência

No "Público" de anteontem vinha uma "notícia" (já explico por que ponho as aspas)bombástica, que ocupava toda a p. 10, e com chamada na 1ª p., com o seguinte título "Desembargador acusa juízes de falsificação", juízes esses que são, como logo aí se informa, todos de tribunais superiores.
Seria de esperar que a divulgação junto da opinião pública de uma tal denúncia, pondo em causa decisões de altas instâncias do Estado, como o CSM, o STJ e o TConstitucional, e referindo-se a uma alegada "falsificação" dolosa, fosse rodeada do maior rigor e pormenor. Mas nada disso acontece. A "notícia" baseia-se exclusivamente na versão de um juiz-desembargador anónimo, que se refugia no anonimato para proferir acusações gravíssimas, com a complacência/cumplicidade do jornalista, que se limita a reproduzir as queixas e a solidarizar-se com o "juiz-vítima", "encurralado no labirinto da Justiça".
Mas não é só o anonimato da "vítima-denunciante" que choca e viola as regras elementares do jornalismo. Também não foram respeitadas outras regras primárias, como aquelas que impõem o contraditório e um mínimo de investigação para apurar da veracidade do teor do texto.
Nada disso o jornalista fez. Ele limitou-se a dar voz a uma queixa, cuja fiabilidade não verificou, violando o código jornalístico.
Por isso, aquela "notícia" afinal não o é. É, sim, uma "encomenda", sabe-se lá com que intenções.
Reivindicando-se o "Público" permanentemente da condição de jornal de "referência", esta "notícia" revela o nível a que a nossa (pretendidamente) melhor imprensa chegou.

27 fevereiro 2008

 

Educação, justiça e português

"Se considerarem, considerarão".

 

Requerimento

Não tendo colaborado nestes últimos dias no “Sine Die”, entre outras coisas por causa de uma gripe que me tem trazido derreado de todo, resolvi fazer um esforço supino para vencer o pertinaz vírus e cumprir um dever cívico inalienável, cujo incumprimento pode trazer, pelos vistos, muito más consequências, e assinar também o requerimento abaixo transcrito para continuar a poder reunir-me no café Convívio nos termos e para os efeitos aí assinalados pelo requerente Manuel António Pina.


Ex.ma sra.governadora civil

(Por outras palavras, Manuel António Pina)


O acima assinado, cidadão português e cronista vem, muito respeitosamente, expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte 1 - Tendo o signatário tido conhecimento de que a PSP identificou três professores que, convocados por sms, se reuniram no sábado na Avenida dos Aliados para, supõe-se, não dizer bem das políticas educativas do Ministério da Educação; 2 - Mais tendo sabido que, entre as centenas de presentes, a PSP decidiu identificar (já que tinha que identificar alguém e não levara consigo bolinhas numeradas para proceder a um sorteio) três pessoas que falaram às TV's; 3 - E tendo sabido ainda que tal identificação (e tudo o que se lhe seguirá) se deveu ao facto de as pessoas em causa não terem, em devido tempo, informado V. Ex.ª de que pretendiam ir nessa tarde à Avenida dos Aliados; 4- Tendo, por fim, conhecimento de que, pelo mesmo motivo, um sindicalista foi recentemente condenado em Oeiras; vem o signatário solicitar autorização de V. Ex.ª para, logo à noite, se reunir com alguns amigos no Café Convívio, sito na Rua Arquitecto Marques da Silva, nº 303, no Porto, a fim de discorrerem todos ociosamente sobre assuntos diversos, entre os quais provavelmente não dizer bem das políticas educativas do Ministério da Educação.
Pede deferimento
(JN – 26/2/2008)

25 fevereiro 2008

 

Banca ética e cidadania: a divulgar!

Banca ética y ciudadanía
Precio: 15,00 €
ISBN: 978-84-8164-952-9
Num. de Edición: 1
Año de Edición: 2008
Fecha de Publicación: 2008
Dimensiones: 14,50 x 23,00
Número páginas: 200
Encuadernación: Rústica

No resulta frecuente encontrar libros que intenten posar una mirada ética sobre la esfera económica. Ya sea por la supuesta impermeabilidad de dicha esfera a cualquier análisis ético o por la dificultad de aplicar a modelos concretos cualquier consecuencia que pudiera seguirse de dicho análisis, lo cierto es que abordar la tarea de vincular ética y economía suele considerarse un esfuerzo baldío.

Este trabajo afronta precisamente ese reto, y lo hace en un ámbito de la economía especialmente espinoso como es el de la intermediación financiera. Lo afronta, además, en toda su extensión: desarrollando un recorrido que parte del análisis ético de dicha actividad y que, transitando por los contenidos de la responsabilidad, la libertad y la igualdad, desemboca en una propuesta concreta de intermediación financiera que pueda considerarse, en sentido estricto, una banca ética. Un modelo, como refleja el título, que coloca la intermediación financiera al servicio de la justicia y que concede a la ciudadanía un papel protagonista.


 

Manifestações "selvagens"

Ultimamente têm dado brado as manifestações de professores convocadas boca a boca ou por SMS, que têm registado um assinalável êxito de participação, para incómodo da Ministra do sector e do PM (que todos os sectores governa).
No fim lá aparece a PSP, apanhada de surpresa, às aranhas para identificar os "cabecilhas" da manifestação "ilegal", tarefa nada fácil, dado o anonimato da convocatória. O critério adoptado parece ser este: quem fala para a rádio ou para a TV é "responsável"...
Este tipo de manifestação coloca alguns prolemas interessantes. Não se pode propriamente considerar uma manifestação "espontânea", porque é convocada, embora anonimamente. Será então de exigir o pré-aviso? Não o havendo, será a manifestação "ilegal"?
É preciso ter presente, por um lado,o carácter inorgânico estas manifestações (nenhuma organização as reivindica) e, por outro, o seu carácter pacífico, ordeiro e responsável.
Tendo em conta o carácter instrumental do pré-aviso (que não é um pedido de autorização, ao contrário do que alguns pensam...), dirigido à protecção da ordem pública e dos próprios manifestantes, e o comportamento ordeiro dos professores que têm aderido a estas manifestações, relativamente às quais não existe o perigo de aparecimento de contra-manifestações ou de arrastamento de actos de desordem pública, parece que nenhuma ofensa ao direito é praticada pelos manifestantes e que eles apenas estão a exercer o direito constitucional de manifestação, que constitui uma das mais sadias modalidades de prática cívica.
A PSP deve estar sempre atenta às eventuais perturbações da ordem pública, evidentemente. Mas isso de querer descobrir os "cabecilhas" de uma manifestação ordeira revela a persistência de mentalidades (e práticas) do tempo da outra senhora.

24 fevereiro 2008

 

Novas e Velhas Fronteiras

Fico espantado, e incrédulo, quando vejo uma concorrida plateia de ilustres professores, a nata de algumas universidades, nomeadamente a coimbrã, bebendo as palavras de um PM em sessão de propaganda pré-eleitoral do nível mais primário que se pode imaginar. Como é possível?
Será que ainda veremos o PM doutorado "honoris causa" pela Universidade de Coimbra (pela Faculdade de Engenharia, de preferência, para resolver definitivamente, e por "cima", o problema da licenciatura)?

20 fevereiro 2008

 

A morte do Pacto

O Pacto morreu.
Viva o Pacto!

17 fevereiro 2008

 

A democracia em fim de festa

Até há pouco, quando o PM encontrava, nas suas frequentes deambulações pelo país profundo, uma manifestação (de desapoio) à sua espera, afivelava o seu melhor sorriso e teorizava acerca da "festa da democracia".
Mas agora, com uma reduzida manifestação de professores na kapital à perna, perdeu a serenidade e vociferou contra os manifestantes, acusando-os de servirem interesses ocultos (são sempre ocultos os interesses dos que se manifestam, mas os dos detentores do poder, serão sempre transparentes?).
Então, como vai a festa da democracia? Está a chegar ao fim?

 

Kosovo: uma ficção perigosa

O apoio à "independência" do Kosovo é de uma irresponsabilidade inacreditável. Por um lado, porque abrirá a porta a outras independências unilaterais, com consequências imprevisíveis. Por outro, porque o Kosovo não tem condições para sobreviver sozinho. Quem vai pagar a independência? Os EUA? A UE? Lá se vão os fundos todos da UE...
O Kosovo como "Estado" é uma aberração. O Kosovo é necessariamente uma província, da Sérvia ou da Albânia. Como Estado independente é uma ficção, mas uma ficção que pode ficar cara (em termos políticos e financeiros). O Kosovo é como Trás -os-Montes ou a Beira Interior: sozinho não tem sentido. Os ditos kosovares são albaneses, pela língua, pela tradição, pela religião, etc.
Mas o Kosovo inha que ser independente, porque os EUA, a Alemanha, a Inglaterra e a França tinham que justificar a intervenção da NATO em 1999; esse é que é o verdadeiro fundamento da independência.
Estará terminada a balcanização dos Balcãs?

14 fevereiro 2008

 

A crescente mediatização da justiça

O problema de a comunicação social agitar na praça pública, com o imediatismo que lhe é característico e, não raro, com espírito tão só sensacionalista e demagógico, determinadas questões, em vez de ajudar a resolvê-las, só as complica. E mais do que isso: contribui para um agravamento dos conflitos já existentes ou mesmo para a sua criação. Estou convencido que, numa grande parte dos casos, ela vive da exploração e da criação do conflito, porque é neste que reside o drama, a excitação, a adrenalina. Mesmo a pretexto de debater questões candentes, muitas vezes ela não faz mais do que contribuir para a confusão geral e para a instalação de um perigoso ambiente de demagogia (quando não de histeria), agravado (ou mascarado) por um pseudo-alargamento “democrático” da intervenção, com pessoas de todos os matizes (como sucede em determinados programas audiovisuais) a pronunciarem-se completamente à toa sobre problemas que não conhecem de todo e de que se não tem a informação suficiente ou em relação aos quais não existe ainda tempo de maturação e de reflexão para uma opinião conscienciosa. Muitas vezes o que se discute não é o problema na sua dimensão real, mas uma ficção que se foi construindo e alimentando, como um objecto de telenovela.
O recente “Prós e Contras” é um exemplo de como se cria ou explora essa conflitualidade. No programa, foram feitas imputações gravosas a magistrados do Ministério Público do Porto. Estes não se puderam defender, por um lado, porque não estavam no programa, embora fosse previsível (até mais do que previsível) que os mesmos poderiam ser atacados; por outro, porque o dever de reserva impede os magistrados de usarem de total liberdade de expressão em relação a processos em que tenham intervenção. Estava lá a Dra. Maria José Morgado, mas como é evidente, ela não estava lá para defender os atacados, como, além disso, a sua posição funcional em relação aos factos em discussão impediam-na de falar abertamente, e essa foi uma razão por que se enredou em circunlóquios que nada explicavam, e devia ter sido uma razão – creio eu – para se ter escusado de ir ao programa. A sua intervenção só foi útil e interessante, quando se referiu genericamente às relações entre a comunicação e a justiça.
O que sucede é que, uma vez atacados, os magistrados do Ministério Público do DIAP do Porto pediram autorização para falarem em público, quebrando o dever de reserva e expondo os seus pontos de vista. E eu acho muito bem que o tenham feito e que dêem a sua versão dos factos. Porém, isto significa também que se está a assistir a uma crescente mediatização da justiça, em que esta acaba por se deslocar da cena que lhe é própria para a cena dos “media”. E que cena!

12 fevereiro 2008

 

Os prós e contrs de ontem

O que safou ontem o programa Prós e Contras (não o vi até ao fim) foi o Prof. Manuel Hespanha e um pouco a Dra. Maria José Morgado (na parte em que se referiu à comunicação social nas suas relações com a justiça). Mas o Prof. Manuel Hespanha foi um exemplo de lucidez, esforço de contenção e sobretudo de desdramatização, mantendo sempre um discurso aberto, crítico, anticorporativo em todos os sentidos (não só em relação ao grupo profissional a que pertence, como em relação a todos os outros) e procurando sempre apontar o reverso das questões que lhe eram colocadas, de modo a evitar respostas óbvias e consonantes com a expectativa que este tipo de programa cria, quase sempre de forma demagógica.

11 fevereiro 2008

 

Abortos: muitos ou poucos?

Nos últimos tempos repetidas notícias nos jornais vêm dando conta de que o número de IVG's realizadas legalmente desde a entrada em vigor da nova lei despenalizadora não ultrapassam mil por mês, "desmentindo" assim as estimativas avançadas pelos partidários da despenalização, que situavam os abortos clandestinos acima dos 20 mil anuais.
Fica-se com a sensação que essas notícias, aparentemente meramente informativas, são lançadas de forma a que o leitor fique a pensar que, afinal, não valia a pena mudar a lei, já que as "expectativas" ficaram "defraudadas".
Tal ponto de vista seria (ou será) completamente absurdo. Ainda que as IVG se venham a "limitar" a 12 mil por ano, esse número é suficientemente impressivo para impor a obrigação de alterar a lei. Mais do que isso: independentemente dos números que venham a apurar-se, mesmo que estes venham a descer acentuadamente, sempre o reconhecimento do direito de opção da mulher constitui o necessário reconhecimento de um direito que é possível (e correcto) enquadrar constitucionalmente no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, no direito a uma maternidade consciente e responsável, que é um direito que faz parte do "património" inalienável das mulheres numa sociedade livre, laica e pluralista.
Os números são, pois, indiferentes, do ponto de vista jurídico-constitucional.
Em todo o caso, sempre se dirá que não há quaisquer "expectativas defraudadas", pois as únicas expectativas dos partidários da despenalização eram as de permitir que as mulheres que optassem pela IVG o pudessem fazer em condições de segurança e dignidade. E essas expectativas cumpriram-se.
Aliás, é cedo para adiantar com certezas quanto aos números. A aplicação integral da nova lei exige uma mudança cultural que poderá levar anos ou até mais de uma geração a concretizar-se. Muitas mulheres, dos meios rurais ou dos estratos sociais marginalizados, desconhecem ou tendem a desconfiar do novo quadro legal e preferirão recorrer aos "circuitos tradicionais". Muitos outros facores haverá a ponderar e a investigar.
Enfim, é cedo para esgrimir números. É, sim, tempo de saudar o primeiro aniversário do referendo que veio a viabilizar uma conquista histórica da cidadania das mulheres.

10 fevereiro 2008

 

Um Arcebispo multicultural

Como era de esperar, as declarações do Arcebispo de Cantuária a favor do reconhecimento da lei islâmica em Inglaterra suscitaram a condenação liminar e uniforme dos sectores conservadores (lá como cá). Era de esperar desde logo porque se trata da lei islâmica, a "lei dos terroristas", mas também por constituir uma "cedência" da superior civilização ocidental às outras civilizações (necessariamente inferiores).
E logo citaram aqueles preceitos da lei islâmica mais retrógrados (caídos em desuso na grande maioria dos países islâmicos) como os que punem o adultério feminino com o apedrejamento até à morte ou que prevêem a amputação da mão direita aos ladrões.
Será que é isso que o Arcebispo quer introduzir em Inglaterra? Obviamente que não. Ele não terá sido muito claro, mas falou apenas da possibilidade de opção, pelos muçulmanos ingleses, da lei islâmica em algumas questões, como as de direito de família ou as questões económicas.
Mas tanto bastou para um ataque frontal à ideia da multiculturalidade. Eu acho, pelo contrário, que esta ideia é decisiva no mundo de hoje, que é nela que tem de assentar a convivência nas sociedades complexas e multi-étnicas da Europa, como é, já hoje, Portugal.
O reconhecimento de outros ordenamentos jurídicos, oriundos de outras culturas, virá eventualmente a ser uma necessidade, para sustentar a convivialidade nessas sociedades. Mas não pode deixar de ter limites: os impostos pela Constituição. Essa parece-me a fronteira inultrapassável da relevância da multiculturalidade.

 

Waterboarding

É o nome de um novo desporto aquático inventado pela CIA. É assim: o praticante é imobilizado numa tábua, com a cabeça para baixo e é-lhe deitada, pelos "assistentes", água para cima, que entra nas narinas, provocando a sensação de afogamento.
É um desporto radical, que provoca muita adrenalina.
O único problema é que os praticantes da modalidade são escolhidos à força.

09 fevereiro 2008

 

Uma resposta a Swift?

Dá a impressão que o antigo ministro das Finanças do governo de José Sócrates pretendeu reagir contra as ideias que Jonhatan Swift expendeu numa carta dirigida a um “amigo do coração” aqui publicada há dias e retirada de uma antologia do autor das Viagens de Gulliver, recentemente dada à estampa. Na verdade, o ideário aí expresso pelo velho escritor irlandês, que os surrealistas apadrinharam como um dos seus antecessores, é um tanto ou quanto de se lhe torcer o nariz. A menos que se tome como manifestação daquele “humor negro”, de que André Breton diz ter sido ele o verdadeiro iniciador.
Seja como for, eis aqui as palavras de Luís Campos e Cunha, publicadas no “Público” de ontem, 8 de Fevereiro:

“As instituições democráticas, e, com elas, a democracia, estão a resvalar para a demagogia, dirigida por representantes sem ideias em lugar de líderes com horizontes. Com aqueles, algumas liberdades começam a estar em causa e até no futuro (espero que não), pondo em causa a própria liberdade. Tudo isto, por absurdo, em nome da liberdade. A liberdade já hoje não é grátis e corremos o risco de vir a ser muito cara: só para ricos e heróis.
(…)
A crise das instituições que leva a esta estirpe de políticos (seja em Portugal, seja no Reino Unido ou na América) não seria demasiado preocupante não fora o arrastar com ela a liberdade, valor essencial da nossa existência.
A liberdade traduz-se, no dia-a-dia, em várias liberdades: de escrever; de falar; de nos organizarmos; de protestar; de apoiar; de votar, etc. Uma dessas liberdades, por vezes esquecida, é a de estar errado, de falhar, de não ter razão e, mesmo assim, de poder opinar, falar e escrever.
Mas, no actual estado de coisas, aqui como lá fora, retira-se a responsabilidade moral de não fumar para não incomodar o próximo, para se passar à proibição da existência do ser imperfeito, ou seja, do fumador. Daí chega-se à raça superior, que hoje não vem dos genes, mas da proibição e do politicamente correcto consagrado em lei. A possibilidade de errar está proibida e, dentro em pouco, não frequentar um ginásio da moda será tão grave como fugir ao fisco.
E, especialmente entre nós, em que a ausência de liberdade ainda está muito presente, é muitas vezes esquecido que o exercício da liberdade não deve ser um acto heróico, mas uma banalidade.
(…)
Para já, são pequenas liberdades que estão em causa. Os ataques às liberdades foram fruto da demagogia e do politicamente correcto, mas uma outra linha de ataque à liberdade é bem mais grave e, supostamente, em defesa da liberdade.
(…)
Cada vez mais os políticos-representantes, com o pragmatismo elevado a ideologia, põem em causa a política e os princípios. A liberdade já não é grátis, mas devia sê-lo, e pode vir a ter um preço que pode ser a própria liberdade.”


Que me dizem a isto? Não parece uma resposta, taco a taco, à carta de Jonathan Swiftt? Uma visão sombria do futuro, contraposta à visão ridente do velho escritor irlandês?

07 fevereiro 2008

 

O tal português suave, os deputados e a República

Eis o que pensava Guerra Junqueiro do povo português, dos deputados às Cortes e da República, numa época especialmente crítica para o País ou para a Pátria, como ele a entendia, em sentido místico – época que vai do Ultimatum Inglês ao falhado 31 de Janeiro, à ditadura de João Franco e, por fim, ao assassinato do rei D. Carlos.


O POVO PORTUGUÊS

“O português, apático e fatalista, ajusta-se pela maleabilidade da indolência a qualquer estado ou condição. Capaz de heroísmo, capaz de cobardia, toiro ou burro, peão ou porco, segundo o governante. Ruge com Passos Manuel, grunhe com D. João VI. É de raça, é de natureza. Foi sempre o mesmo. A história pátria resume-se quase numa série de biografias, num desfilar de personalidades, dominando épocas. Sobretudo depois de Alcácer. Povo messiânico, mas que não gera o Messias. Não o pariu ainda. Em vez de traduzir o ideal em carne, vai-o dissolvendo em lágrimas. Sonha a quimera, não a realiza”.


OS DEPUTADOS

“(…) a advogalhada de S. Bento”.


A REPÚBLICA


“Nesta agudíssima crise nacional a república é mais do que uma simples forma de governo. É o último esforço, a última energia, que uma nação moribunda opõe à morte. Viva a República! é hoje sinónimo de … Viva Portugal!”

(A Pátria – “Anotações” acrescentadas no final - 2.ª edição 1909)

 

O que é o artigo 30.º/3, do CP, comparado com isto?




Uma alteração do CP aportada pela Revisão de 2007 que, curiosamente, tem sido pouco ou nada falada é aquela que permite, no caso de crime contra menor de 16 anos, dependente de queixa, (suponha-se, acto sexual com adolescente – artigos 173.º e 178.º/2, do CP), quando o MP dê impulso ao procedimento, de acordo com o interesse do ofendido, permite, dizia, que este último se oponha ao prosseguimento do processo, uma vez atingidos os 16 anos (artigo 116.º/4, do CP). Disse ser curioso o silêncio sobre este preceito, nomeadamente por comparação com a autêntica cacofonia sobre a nova redacção do n.º 3 do artigo 30.º do CP, uma vez que:

A) Aquela nova solução consagrada no artigo 116.º/4, do CP (ao contrário da plasmada no artigo 30.º/3, do CP, que é uma positivação legal de doutrina e jurisprudência quase inquestionadas[1]), conquanto a repute em si mesma acertada, como sempre defendi, vem ao arrepio da jurisprudência largamente dominante sobre o ponto, que, na ausência de um preceito daqueles, no direito anterior à Revisão, vinha entendendo que nos casos em que o MP desse inicio ao processo de acordo com a sua interpretação do interesse da vítima, esta, uma vez atingida a “maioridade penal”, não poderia, com sucesso, opor-se ao prosseguimento do processo[2];

B) Tanto quanto consigo alcançar, tal norma (artigo 116.º/4, do CP) é porventura susceptível de ter em processos pendentes, em processos mediáticos pendentes, implicações muito mais drásticas do que o famigerado n.º 3 do artigo 30.º, do CP, não devendo olvidar-se que terá de ser considerada uma norma “processual-material”, a qual terá de ser apreciada, sem reserva, à luz do princípio do tratamento mais favorável do agente (artigo 2.º/4, 1.ª parte, do CP).

Ou muito me engano ou temos aqui matéria para mais umas quantas conspirações …
* Uma correcção às 17:50 (hora dos Açores)

[1] Isso, é óbvio, não é o mesmo que dizer que o legislador “fez bem”, no sentido de ter sido oportuno, em consagrar explicitamente aquela solução, sabendo-se que a figura do crime continuado está, hoje, sob fogo intenso em muitas latitudes.
[2] Disse ser acertada, a previsão actual do citado artigo 116.º/4, do CP, uma vez que a posição contrária a ela: a) desconsidera a autonomia da vítima, quando ela atingiu uma idade em que, em geral, o legislador já lha reconhece para efeitos processuais penais (v. g., apresentação de queixa, constituição como assistente, etc.); b) desconsidera a igualdade entre vítimas na mesma situação, conforme tenham apresentado queixa ou conforme tenha sido o MP a tomar a iniciativa processual; c) acaba por transformar o “interesse da vítima” no “interesse público” na perseguição penal, contra o espírito (e a letra) da alteração ocorrida, neste particular, no ano 2001.

05 fevereiro 2008

 

Equipamento especial para fumadores

Desculpem esta fixação, mas não posso deixar de falar no caso.
Por sinal, até nem sou um daqueles nicotinodependentes como o revoltado amigo a quem Jonathan Swift escreveu uma carta aqui transcrita. Sou só um bocadinho. A ponto de, quando viajava no comboio no tempo em que havia lugares para fumadores e lugares para não fumadores, eu escolher sempre estes últimos. Fumo por cima das refeições. Mas ultimamente até me apetece fumar mais.
Pois aqui vai o caso:
Há um café no Porto que encontrou uma ideia original para conforto dos fumadores: uns blusões em cabedal resistentes ao frio. Esses blusões estão dependurados ao pé da porta. Quem quiser fumar e abrigar-se das inclemências do tempo (esse outro inimigo dos fumadores), toma um desses blusões e vem cá fora espevitar o cigarro. Fumado este, volta a dependurar o blusão no lugar próprio.
Só o que eu não sei é se os blusões são de modelo aprovado pela DGS ou se passarão numa revista da ASAE.

 

Estranha decisão do TC

Não percebo a decisão do TC de suspender a contagem dos mlitantes dos partidos, com fundamento na apresentação na AR de dois projectos que visam alterar a lei dos partidos.
É que, tanto quanto sei, os tribunais decidem com base na lei vigente e não na eventual e imprevisível lei futura.

 

Tony soma e segue

Depois de no princípio do ano ter sido recrutado como conselheiro a tempo parcial pelo banco americano JP Morgan pela módica quantia de um milhão de dólares (o que seria se fosse a tempo inteiro!), Tony continua imparável e agora foi contratado pela Zurich também para dar conselhos, ignorando-se porém quanto irá receber.
Mas as coisas podem não ficar por aqui, porque ele já confidenciou que está "disponível" para tudo quanto for embolsar (euros, dólares ou mesmo libras), honestamente, claro.
Aliás, ele já recebeu, por conta das memórias que está a (ou há-de) escrever, um modesto adiantamento de dez milhões de dólares.
E como conferencista as coisas também andam sobre rodas: por exemplo, terá recebido meio milhão de dólares (ah! os dólares) por participar numa conferência na China.
Com este currículo, este homem é o candidato natural a presidente da União Europeia.

 

Carnaval sempre!

Pelo calendário hoje é o último dia de Carnaval.
Mas não em Portugal. Entre nós, o Carnaval pode acontecer em qualquer dia, como o provam as recentes declarações de altos (ir)responsáveis do sector judiciário.

03 fevereiro 2008

 

Carta a um amigo do coração

Ou de como fugir a tempo dos caminhos errados do vício e entrar nos rectos caminhos da Democracia Sanitária – uma forma avançada de Democracia, baseada na Ciência, na Libertação da Dependência e no Bem-Estar Geral.

Meu prezado Amigo:
Vejo que está muito revoltado com a actual lei do tabaco. Leva a sua indignação ao ponto de considerar que a lei é a mais sórdida expressão moderna do Estado-Leviatã. Mais ainda: diz que não pode ver à frente a figura do respeitável Director-Geral da GGS e que esta sigla lhe faz lembrar coisas muito sinistras de antanho, que já se pensavam enterradas há muito. Aliás, afirma-se muito descontente e desanimado com a situação, onde a democracia parece cada vez mais formal e inatingível, imperando a “loucura sanitária”, “a prepotência que não conhece limites” e “a prática de actos ignóbeis”, como esse, que as muitas críticas conseguiram fazer gorar, de fraccionar o aumento de reformados e pensionistas, o que daria escassos cêntimos por mês a cada pobre contemplado. Para resumir o seu pensamento, diz que o que está em voga é uma espécie de “despotismo iluminado”, característico do Leviatã.
Pois o que se me oferece dizer ao meu amigo é que a sua acrimónia e a maneira pessimista como vê a evolução do nosso estado de coisas é um exemplo típico das nefastas consequências provocadas pelo tabaco. É que, de entre essas numerosas consequências, uma das fundamentais é a dependência que proporciona, de tal forma que a sua privação traz distorções assinaláveis na maneira como se vê a vida, a sociedade, a política, etc. Pois o meu amigo, vendo-se obrigado a restringir drasticamente o uso do tabaco, por força da lei que considera tão ignominiosa, vê tudo de uma forma assaz anómala. Essa é uma característica dos que passaram a vida a depender de tóxico tão pernicioso. Para além dos comprovados males físicos que o uso do tabaco acarreta (cancro do pulmão, cancro do estômago, cancro da bexiga, cancro do esófago, cancro de muitas mais coisas, e ainda – repare bem: perda da virilidade (ó meu amigo, pois claro: perda da vi-ri-li-da-de. Precate-se!), perda da memória, obtusidade intelectual, o tabaco também traz dependências perigosas que fazem com que, privados de as satisfazerem, os dependentes se voltem agressivamente contra quem, olhando para o interesse público, quer finalmente estabelecer o Reino da Saúde, do qual há-de emergir um “homem novo”, esse tão decantado “homem novo”, saudável, vivendo em harmonia consigo e com todos os homens que aspiram a um ideal salutar.
Estamos a atravessar uma nova era, meu prezado amigo, a era em que todos podem e devem ser saudáveis. Para isso, há que levar avante políticas que imponham as condições necessárias ao alcançamento desse Ideal, seja pela purificação dos corpos, seja pela purificação das mentes. “Mens sana in corpore sano”. Esta velha aspiração romana (quero dizer, humana), tornou-se uma realidade tangível. Purificados os corpos e os espíritos, os homens passarão a encarar a realidade com outros olhos, de uma forma muito mais saudável em todos os aspectos da vida, desde o plano individual ao social.
Para se atingir esse objectivo, há que desenvolver uma luta tenaz e sem contemplações. Contra os fumadores, para já. Estes não têm nenhuns direitos, contra o que o meu prezado amigo sustenta. É que o fumo deles prejudica os cidadãos não fumadores, que são a maioria, e muito particularmente os trabalhadores, que trabalhando honestamente para ganhar a vida e produzir riqueza para a Nação, correm o risco de apanhar com fumos deletérios para a sua saúde, debilitando-os para o trabalho e, logo, para a produção de riqueza. Veja a extrema preocupação do nosso Director-Geral com a saúde deles. Ele preocupa-se sinceramente (como nenhum benemérito antes dele) com a saúde dos trabalhadores e, por isso, quer protegê-los, muito legitimamente, de fumos perniciosos como o do seu cigarro.
Mas também os próprios fumadores têm que ser protegidos da sua própria miséria. Da miséria da sua dependência patológica. Veja a triste figura que eles fazem a chupar o cigarro sofregamente nos passeios, à porta dos estabelecimentos, na rua, nos becos, em escadarias esconsas, sofrendo o frio e a chuva, constipando-se, contraindo gripes. Outro dia, vi um grupo desses pobres desgraçados a fumar atrás dum grade de arame que tapava uma rua em reparação, e não imagina a pena que me deu. Pena por ver ao que eles se sujeitam, e pena por ver a miséria moral para que os arrasta o vício. Uma tal imagem (não imagina quanto lamentei não ter o talento de um Rembrandt para pintar a cena e assim legar aos vindouros esse tão deprimente quadro da nossa vida actual), uma tal imagem é bem o símbolo em que se transformaram os fumadores: gente tolerada que alimenta o seu vício atrás de grades. É como se fossem prisioneiros encurralados pela grande força vital que atravessa a nossa sociedade e de que a DGS, que o meu amigo tanto detesta, constitui a vanguarda vigilante da Grande Limpeza Higiétnica.
Na verdade, este é só um passo para o total extermínio dos fumadores – a solução final que está programada. É que o que se pretende a longo prazo é acabar totalmente com a raça dos fumadores. Erradicar-lhes o vício, se necessário for pelo tratamento adequado numa clínica, num hospital psiquiátrico ou fazendo-os tomar pílulas que os levem a exorcizar o vício para sempre.
Não sei se alguma vez lhe contaram a história de “Voando Por Sobre Um Ninho de Cucos”. Resumidamente, trata-se de uma história que apresenta o modelo de uma sociedade perfeita, em que os indivíduos que dissentem dos cânones modelares dessa sociedade, permitindo a todos viverem em boa harmonia, são enviados para hospitais psiquiátricos, a fim de se curarem. Ao cabo de uns tempos de internamento, esses indivíduos regressam a casa curados e já aptos a integrarem-se na vida social, sem problemas. Ou então são mesmo loucos e já não têm remédio; não podem viver com os sãos. (Palpita-me que esta história ainda há-de ser contada num futuro radioso por um artista que ainda há-de nascer para uma arte que ainda não existe e que aglutinará várias artes, sobretudo visuais).
O meu prezado amigo não acha estupenda a ideia contida nesta história? Não é capaz de representar o progresso humano que há nela? É que o desvio à regra não é encarado como transgressão punível, mas como doença. Eis a profunda humanidade com que são olhados os indivíduos inadaptados, viciosos ou causadores de danos ao bem-estar da sociedade em geral, seja em que esfera for e principalmente na da saúde. Desta depende, com efeito, o bom humor, a boa disposição, a alegria de viver, o gosto pelo trabalho, o desejo de harmonia e, logo, de boa convivência, a longevidade dos indivíduos que formam a colectividade e, logo, o aumento da vida activa, com o consequente aumento dos problemas laborais e de segurança social (esse quebra-cabeças do futuro) a estimularem a imaginação e capacidade inventiva dos nossos políticos, dos nossos economistas, dos nossos sociólogos e até dos nossos artistas. Imagine o que seria uma ficção em que a Morte, estabelecendo um pacto com a Saúde, suspendesse ou retardasse a acção negra da sua gadanha e os humanos começassem a viver indefinidamente, a braços com problemas de emprego e da referida segurança social, para além de outros inimagináveis problemas. Como é que um artista do futuro conceberia um tal cenário? Pois é todo esse entrosamento de questões e de estados de espírito e de estímulos inventivos que fornece a seiva alimentadora de uma sociedade em progresso sanitário Fui claro?..
Voltando aos fumadores: como disse lapidarmente o nosso Director-Geral, “não fumar é a regra e fumar, a excepção”. Daí que, sendo a excepção um elemento perturbador, o mais natural é querer eliminá-la. Um primeiro passo reside em acentuar a excepção, atirando os fumadores para a rua e tornando o seu vício mais visível, mais notável e mais propício à censura da regra, corporizada nos milhares de cidadãos que interiorizaram a natureza do Mal. Este é também um alto princípio democrático.
Um segundo passo é considerar os fumadores como portadores de uma patologia curável e dar-lhes a possibilidade de regeneração, através da cura. Este segundo passo prepara já o terceiro, que é, como disse, o extermínio dos fumadores. “Extermínio” entenda-se: não se trata de atar os fumadores a uma pedra e lançá-los ao mar, mas de levá-los por métodos científicos ao bom caminho, fazendo desaparecer a causa que os impede de serem cidadãos saudáveis, assim como a de constituírem um perigo para a saúde em geral (daí vem, aliás, o nome de Direcção-Geral de Saúde). O “extermínio” dos fumadores vem a ser então o seu desaparecimento como fumadores “tolerados” (um adjectivo que, como sabe o meu prezado amigo, tem raiz em “tolo”).
Ora, não me diga que este método, baseado em concepções científicas e de depuramento da raça, colide com a Magna Carta dos direitos do cidadão e ainda para mais num Reino que se orgulha do seu pioneirismo em tal matéria. Veja como reagem alguns dos nossos mais ilustres comentadores da referida Magna Carta, nenhum deles assacando pecha à lei que põe os fumadores no olho da rua. E a Democracia Sanitária (um estado avançado de Democracia) não se compadece com quem, podendo regenerar-se, põe em causa a saúde em geral e também a sua própria, porque quem não respeita a sua saúde, também não respeita a dos outros. Não queremos cidadãos doentes, prisioneiros do vício. Lutar contra eles sem contemplações é lutar pelo bem geral. E o bem geral, baseado em dados científicos mais do que comprovados sobe a natureza do Mal, está indiscutivelmente acima das inclinações pessoais. Isso, sim, isso é Democracia. Chame-lhe despotismo iluminado, chame-lhe o que quiser.
Por isso, meu prezado amigo, vá-se preparando para o seu “extermínio”. Ou então regenere-se enquanto é tempo. Quem o avisa seu amigo é.
Seu do coração
Jonathan Swift (1665 – 1745)

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