05 outubro 2008

 

A morte do "mensageiro"

Já que estamos em maré de citar filósofos, citemos Eduardo Lourenço, que agora, por ocasião dos seus 85 anos, vai ser objecto de um seminário na Fundação Gulbenkian, promovido pelo Centro Nacional de Cultura. Citemos um dos livros de que eu gosto mais – O Esplendor do Caos – e, dos textos que o compõem, um dos que melhor põe a nu (podíamos falar de descontrução, para usarmos o célebre conceito de Derrida) o sistema comunicacional actual, especialmente o da televisão:

«Simbolicamente, em matéria de informação, vivemos sob um regime de absoluto bombardeamento informativo, numa espécie de vigília contínua, sem termos a possibilidade, por assim dizer, de fecharmos os olhos. Assim, o que parece urgente é escapar a esse fluxo, descobrir um refúgio, em suma, defender «o direito a não ser informado». Ou, com maior dose de provocação, o direito ao silêncio. (…) Existir é comunicar, comunicar é inscrever-se, mesmo numa breve fracção de segundo, num espaço audiovisual, conceito, aliás, já quase arcaico, pois melhor é reduzi-lo à sua essência puramente imagética. Existir é ter imagem, mas mais ainda é ter o poder de difundir as mil imagens que decompõem e sintetizam a nossa imagem, concebida como um videoclip permanente. A “nossa imagem” não é aqui o equivalente do nosso retrato (…) Nesse capítulo, não há diferença alguma entre a venda da imagem de um político, de uma star ou de um mero mortal e a venda da “imagem” de qualquer produto da alta tecnologia, o último modelo Mercedes ou o mais recente Macintosh. A própria existência da imagem – ao simples nível “informativo”, como as imagens da guerra da Bósnia ou de catástrofes naturais – está subdeterminada pela sua causa final (…), quer dizer pelo critério único e universal da rentabilidade mediática. O fluxo das imagens que nos cerca, nos invade ou nos é proposto tem uma lógica interna que, seriamente falando, não pertence à esfera da comunicação (…), mas a uma esfera autónoma, em que a mensagem inscrita na imagem não tem outro destinatário além do próprio emissor dela (…) O destinatário aparente do fluxo comunicativo que tem como suporte a imagem, com o estatuto que adquiriu enquanto imagem televisiva é o público (…), mas o destinatário ideal é o próprio sistema televisivo. A televisão trabalha para a televisão. (…) A sua condição ideal será a condição angélica (aos olhos do espectador consumidor das suas imagens-espectáculos ou espectáculos-imagens), em suma, de uma transparência tal que nem por sombras lembre ao pseudodestinatário que a caixa mágica não funciona senão para o interior de si mesma».





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