28 dezembro 2012

 

Pela borda fora


 

Não quero deixar extinguir o ano sem este comentário, que me foi sugerido por uma discussão entre amigos, à mesa do restaurante.

As medidas de austeridade que têm vindo a ser tomadas correspondem a opções ideológicas bem marcadas. Isto é mesmo uma verdade «à Monsieur de La Palisse», mas parece haver pessoas que ainda acreditam na sua indispensabilidade ou neutralidade. Governar implica escolher entre vários caminhos possíveis, entre várias opções, entre valores em confronto, e nisso vão implicadas posições ideológicas, por mais que os seus autores se esforcem por ocultar essa natureza.

O facto de muitas das medidas tomadas se enquadrarem no âmbito do «memorando da troika», é um óptimo alibi para se ocultar o carácter ideológico delas, mas a verdade é que as opções da «troika» são, também elas, ideológicas, visto que implicam escolhas económicas, sociais e políticas, em que são visíveis (para quem fizer um esforçozinho para ver) determinadas concepções acerca dos interesses económicos que devem imperar, não só no espaço português, como no espaço europeu e até mundial, da ordenação das relações sociais e, dentro destas, das relações laborais, dos modos de atalhar à “crise” e de quem deve, fundamentalmente, suportá-la, escondendo sempre a sua natureza e a sua origem, do tipo de ingerência no espaço de soberania dos países mais vulneráveis, ou seja, os mais atingidos pela dita “crise”, etc., etc., etc.

Em Portugal, as medidas tomadas têm um cunho ideológico cada vez mais evidente.

Vejam-se, por exemplo, as mais recentes e polémicas declarações do primeiro-ministro sobre as pensões dos reformados. Essas declarações traduzem a forma pouco amistosa como se encaram os reformados e as pensões que auferem.

Com efeito, para um certo sector ideológico que intenta impor-se, os reformados são uma franja social mal tolerada, porque constituída por gente improdutiva e que, por isso, constitui um fardo para o Estado e para as novas gerações. Lembremos que as declarações a que me refiro foram proferidas numa assembleia muito especial, justamente «a juventude social-democrata», onde foi destacado que as actuais gerações de trabalhadores é que suportam, com as suas contribuições, as pensões dos reformados e que estes (ou grande parte destes) não descontaram, durante a vida activa, os quantitativos suficientes para cobrirem as suas reformas.    

Deste modo, o que está aqui em causa é uma determinada concepção de segurança social que se aproxima da chamada «concepção patrimonialista», que tem vindo a fazer terreno no seio da ideologia neoliberal e que se traduz na correspondência que se pretende fazer estabelecer, estritamente, entre as contribuições pagas e o valor das reformas que vêm a ser auferidas.

Mas o que mais confrange é a quebra de solidariedade intergeracional que uma tal solução implica e o fosso que se cava entre cidadãos produtivos e cidadãos arrumados numa prateleira.    

A Constituição da República tem uma palavra a dizer sobre isto, mas parece ser uma palavra proscrita.





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