07 abril 2013

 

O direito a um título académico


Uma das crónicas mais acertadas, esta que Vasco Pulido Valente assinou no Público de ontem, sábado. Uma das mais acertadas e das que põem mais a nu a ridicularia lusitana que se centra na ganância pela aquisição dum título de dr., eng.º ou arq.º.

  O “dr” (ou eng, ou arq.) à frente do nome afirma o direito do maior burro ou, mais frequentemente, do maior ignorante a mandar no próximo e a receber a maior consideração dos povos.

Miguel Relvas (e também José Sócrates) não resistiram à “vergonha” de se apresentar como na verdade eram e foram a correr arranjar um título “respeitável”, de que não precisavam, para se mostrar aos portugueses. Como antigamente os merceeiros ricos se torciam para ascender à dignidade de comendador ou de barão. Ninguém os levava a sério, como hoje ninguém leva a sério os licenciados que universidades de 3.ª ou 4.ª categoria fabricam à pressa para consumo da ingenuidade portuguesa.

Se me permitem citar-me a mim próprio, escrevi numa crónica publicada no JN datada de 03/02/2000 (A mania do doutorismo): « Portugal deve ser dos poucos países, senão mesmo o único, em que continua florescente a mania do doutorismo.

»Toda a gente que tenha levado até ao fim uma qualquer licenciatura é como se ascendesse a uma espécie de aristocracia em que a nobreza do sangue é substituída pela nobreza de um título que passa a ter o direito de usar: o Dr. “Dr. Fulano de Tal, ora faça o favor de dobrar a língua”. Frequentemente é o próprio quem o lembra, declinando, nas alturas apropriadas, o nome próprio, antecedido do indispensável Dr. “Chamo-me Dr. Fulano de Tal”.

»O Dr. adere à identidade pessoal, como coisa inseparável, apesar de não figurar, lamentavelmente, no bilhete de identidade. Deveria ser uma marca, uma tatuagem na pele ostentada em lugar visível e que permitisse o imediato reconhecimento de quem tem (ou se sente com) o direito ao título. Quem divisasse tal sinal ou marca ficava logo a ver que estava na presença de um Dr., passando a tratá-lo com a deferência devida ao estatuto correspondente. A voz tornar-se-ia grave ou melíflua, consoante as circunstâncias, o espinhaço dobrar-se-ia naquela curva mais ou menos pronunciada com que se acata a conspicuidade doutoral, as coisas começariam a rolar praticamente sobre esferas.»

 Hoje, adquirir um título académico tornou-se a coisa mais banal e, como se vê, cada vez menos  digna de qualquer crédito. Forjam-se diplomas  como quem fabrica cuecas ou peúgas.

Ora, não seria mais correcto satisfazer as aspirações de tantos concidadãos (ou indígenas, como invariavelmente lhes chama Vasco Pulido Valente) conferindo a todos, pelo simples facto do nascimento, um título académico, dr., eng. ou arq.,segundo percentagens adequadas e devidamente ponderadas? Os que nascessem no primeiro quartel do ano seriam intitulados de dr.; os do segundo quartel, teriam direito ao título de eng. e os do terceiro quartel, o de arq. Assim, ou por outra ordem, tanto importa.  





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