11 abril 2013

 

Ulrich Beck contra "Merkievel"

Quero aqui chamar a atenção para um opúsculo absolutamente notável do filófiso/sociólogo Ulrich Beck, publicado há pouco e que se intitula "A Europa Alemã: de Maquiavel a 'Merkievel'": estratégias de poder na crise do euro" (Edições 70).
O título já diz muito... Mas valer a pena ler! Vale a pena constatar que nem todos os alemães dizem sim à Kanzlerin (chancelerina, em português, pois chanceler tem feminino também na nossa língua...).
Algumas ideias do autor quero sintetizar.
A primeira é a da estratégia do poder do governo o alemão. Todos nós estranhamos as contínuas hesitações e adiamentos de solução dos problemas por parte da Alemanha. Parece-nos estranho porque normalmente o exercício do poder caracteriza-se pela exibição rápida e sem hesitações desse exercício. Mas, maquiavelicamente, a sra. Merkel optou por uma estratégia diferente: perante os riscos decorrentes da crise do euro (que é sobretudo dos outros, entenda-se, dos devedores, dos submetidos à tutela alemã), ela não exerce qualquer poder, ela prescinde de tomar decisões, ela simplesmente nada decide contra ou a favor dos tutelados. Ela deixa levar os riscos até ao limite admissível, e quando aí chega não toma decisões frontais, toma meias-decisões que não resolvem os problemas, arrastam-nos, arrastando os súbditos, prendendo-os à corda alemã eternamente. Maquiavel não faria melhor. Esta princesa suplantou o principe...
Outra afirmação decisiva de Beck: a crise só se resolverá com a "grande política", não com as propostas assentes na "cegueira da economia"! Segundo ele, a crise do euro é acima de tudo "a crise dos valores europeus de abertura ao mundo, paz e tolerância". E continua: "Quem considera a Europa igual ao euro já desistiu da Europa. A Europa é uma aliança de antigas culturas mundiais e superpotências que procuram uma saída da sua história bélica. A arrogância dos europeus do norte em relação aos países do sul, alegadamente preguiçosos e sem disciplina, demonstra um esquecimento simplesmente brutal da história e uma ignorância cultural."
De salientar, a sua proposta de um novo "contrao social europeu" assente nos cidadãos, não nos estados, a "Europa dos indivíduos que ainda têm de se transformar no soberano da democracia europeia". Um movimento transnacional que promova a mudança é o que ele propõe: "Está na altura de (...) todos aqueles que são afetados como 'danos colaterais' humanos em toda a Europa pela política de austeridade tomarem a peito o imperativo cosmopolita. têm de cooperar a nível transfonteiriço e empenhar-se, em conjunto, não por menos Europa, mas sim a partir da base, por uma união política que se reja por princípios social-democratas, uma vez que só esta será capaz de enfrentar eficazmente as causas da miséria."
Uma proposta de ação cosmopolita e radical: contra a "ilegitimidade da Europa neoliberal" no poder, a mobilização transnacional de todos os perdedores e marginalizados pelo sistema no poder!
(Vale a pena ler, é o que eu digo! Quem esperaria isto de um filósofo alemão nos tempos merkiavélicos?)





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)