11 junho 2014

 

O confronto com o Tribunal Constitucional


O governo e a maioria entraram em guerra aberta com o Tribunal Constitucional (TC), rompendo o equilíbrio institucional que deve nortear as relações entre os diversos órgãos de soberania. Trata-se de um confronto sem precedentes, representando um salto qualitativo na estratégia de assédio que vinha sendo seguida, materializado em pressões já de si inadmissíveis num Estado de direito democrático, como se à radicalidade de muitas soluções adoptadas no plano político-jurídico, devesse corresponder uma radicalidade confrontativa no plano institucional, agravada pelo facto de esse confronto não poder ter resposta adequada do outro lado, pois o TC não pode, pela sua intrínseca natureza, designadamente por força da reserva imposta aos juízes e dos limites de decoro e dignidade institucional que devem respeitar, entrar nesse confronto.

Essa estratégia de confronto começou com o pedido de aclaração, que, na realidade, parece visar outros objectivos, que não os de simples esclarecimento, esquecendo-se (ou ignorando) os autores do requerimento que a lei processual civil, que é de aplicação subsidiária, foi alterada por opção legislativa, também ela radical, do próprio governo e da maioria que o suporta. Mas, desde o anúncio do pedido de aclaração até ao momento, a campanha de “linchamento” do TC tem vindo a subir de tom e de intensidade.

No entanto, se havia algo de previsível, era o “chumbo” do TC a várias normas do Orçamento. Os pedidos de fiscalização de constitucionalidade inserem-se nessa lógica de previsibilidade; não foram elaborados a esmo ou “ao calhas”, mas esquadrinhando criteriosamente a jurisprudência anterior do Tribunal. E este desenvolve  toda a sua argumentação em apego estreito (ia dizer milimétrico) com as decisões anteriores, confrontando sistematicamente as situações criadas no Orçamento para 2014 com as dos orçamentos precedentes e com as posições jurisprudenciais anteriormente assumidas pelo Tribunal.

Pode mesmo dizer-se que o TC tem sido muito contido e moderado (já o escrevi a propósito de acórdãos anteriores), deixando passar muitas soluções que mereceriam ser declaradas inconstitucionais e ficando-se mesmo pelos mínimos, dando ainda a mão ao governo aqui e acolá e disseminando orientações  no texto das decisões. Mas o que tem sucedido é que os orçamentos não captam essas orientações, nem as linhas que a jurisprudência tem seguido com constância, fazendo simples operações de “maquilhagem” ou mudando os nomes às coisas, como Marcelo Caetano fez com a Pide, passando a chamar-lhe DGS, ou, pior do que isso, agravando mesmo as soluções anteriores, reincidindo nos mesmos erros e passando a chamar reforma estrutural  ao que era efeito de conjuntura e de carácter transitório. Às vezes, até parece um jogo do  do gato e do rato.

A culpa não está, pois, no TC, mas certos membros do governo e da maioria, na escalada do ataque movido àquele, chegaram ao ponto de porem em causa a escolha dos juízes e questionando mesmo a sua competência profissional, quando, se fôssemos a comparar as habilitações de uns e outros, as qualificações académicas e o saber acumulado ao longo das respectivas carreiras, quem ficaria a perder não seriam os juízes do TC.

Mas a escolha a que esses tantos se querem referir não é tanto a das habilitações profissionais e académicas, que vêm ao caso só por achincalhe, mas a que tem a ver com o alinhamento político. E aí não lhes basta a selecção política por meio de uma maioria qualificada do Parlamento. Será preciso fazer recair a eleição em comissários políticos, mantendo no entanto, por uma questão de aparência, um Tribunal dito Constitucional.   





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