27 janeiro 2016
Rouhani na Europa
O presidente Rouhani,
do Irão, está de visita de negócios a Itália e França, tendo também visitado o
Vaticano, onde se encontrou com o Papa. Na Itália, retiraram o álcool da mesa
do repasto oficial e taparam as estátuas de figuras desnudas no museu
Capitolini. Foi um acto de abdicação injustificável, uma cedência da cultura
europeia a preconceitos religiosos de um Estado teocrático que viola os mais elementares
direitos fundamentais. Os negócios não justificam tudo. Só faltou proibir as
manifestações de iranianos residentes na Europa contra a situação ditatorial
que se vive no país de Rouhani. Mas, por este andar, talvez elas venham a ser
proibidas numa outra visita que venha a acontecer.
26 janeiro 2016
No rescaldo das presidenciais
É curioso observar como muitos
dos comentadores da direita que se não cansaram de louvar a transversalidade da
candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa se afadiguem agora a falar da derrota de
partidos à esquerda, nomeadamente do PS e, sobretudo, de António Costa,
reduzindo assim, a posteriori, a
abrangência daquela candidatura. Facto que é tanto mais estranho, quanto essa
leitura é mais adequada às legislativas e imprópria para as candidaturas
presidenciais. Aliás, só as candidaturas de Marisa Matias e Edgar Silva tinham
um cunho mais partidário, destinando-se a testar o poder dos respectivos
partidos e consolidar ou reconfirmar as suas posições.
Tal significará que muitos dos apoiantes de
Marcelo, não obstante terem enchido a boca com a transversalidade da candidatura
e o seu carácter suprapartidário, querem um presidente de facção e estão mortos
por vingarem a solução governativa que foi encontrada. Porém, Marcelo, na noite
da vitória, foi claro a afirmar que não havia vencidos nestas eleições e que faria
todos os esforços para manter a estabilidade governativa.
Cavaco sempre coerente com a sua ideologia
Cavaco, ciente embora de que o veto aos diplomas sobre adoção por casais homossexuais e a revogação das alterações à lei da IVG, nomeadamente na parte em que impõem a consulta psicológica à grávida, não teria resultados práticos, pela previsível confirmação dos ditos diplomas em plenário da AR, mesmo assim não quis ir-se embora sem deixar mais uma marca clara da sua rígida ideologia conservadora.
Para quem proclamou há pouco que a ideologia é sempre derrotada pela realidade e recomendou pragmatismo na tomada de decisões políticas, salta à vista que não segue os seus próprios conselhos. O seu veto vai ser derrotado pela realidade da maioria parlamentar, que não se submete à vetusta ideologia patriarcal do ainda PR, e traduziu-se num ato escusado, inútil, que só vem vincar ainda mais o caráter retrógrado e sectário em que progressivamente se enredou esta presidência que está finalmente a chegar ao fim (uf!).
25 janeiro 2016
Uma obra-prima
Estou convencido que o maior
facto político parturejado pelo criador de factos políticos foi o da sua
eleição a presidente da República. Andou anos a forjar esse facto na arena da
comunicação social, convertendo-se ele próprio numa estrela mediática de primeira
grandeza, a ponto de poder dispensar outros apoios, que não o da popularidade que
foi granjeando e, claro, o da cumplicidade dos media, de que era um dos actores de maior saliência no seu campo de
intervenção.
Evidentemente que teve de ter
arte e talento para impor essa imagem. E foi de acordo com ela – com essa
imagem de popularidade – que agiu na campanha, dispensando séquitos partidários
e tradicionais formas de publicidade e, até, aparentemente, ideologia, quando
toda a sua mise-en-scène não deixou
de ser ideológica do princípio ao fim, apresentando-se como transversal ao
eleitorado, acima dos partidos e de
divisões esquerda-direita, sobrenadando a antagonismos sociais, privilegiando
contactos informais e gestos abrangentes de simpatia a qualquer debate de ideias, enfim,
transmitindo uma ideia de portugalidade de certo modo etérea. Nada de mais
refinadamente ideológico do que isso.
Mas o que é certo é que Marcelo teve
uma percepção inteligente desse jogo de popularidade e pode-se bem dizer que
esta foi a sua obra-prima.
24 janeiro 2016
A perspetiva do BE
Depois de ouvir Marisa Matias fiquei a saber que os resultados eleitorais foram magníficos. Houve apenas um pormenor desagradável: o Marcelo foi eleito à 1ª volta...
22 janeiro 2016
A campanha e as subvenções dos políticos
A questão das
subvenções dos políticos veio, abruptamente, aquecer a campanha para as
presidenciais, de um modo geral muito morna e suscitando pouco interesse, desde
logo porque o candidato tido como antecipado ganhador (o que estará para ver)
fez, deliberadamente, da sua campanha um deserto de ideias e um permanente show de futilidades e petits divertissements. Como é que
muitos vêem no estilo desse candidato um modo novo de encarar a política e as
campanhas eleitorais é que eu não percebo, ou melhor, percebo: é um modo novo
na arte de empobrecimento da política e da redução desta a uma mera encenação
do vazio.
Mas, como estava a
dizer, o acórdão do Tribunal Constitucional sobre as subvenções dos políticos
veio agitar as águas numa campanha onde, como o candidato Vitorino Silva (o
“Tino de Rãs”) afirmou, na sua ingénua autenticidade, quase tudo se resume a intrigalhada. Com a exploração dessa questão
de uma forma mais ou menos demagógica por parte dos candidatos, ela acaba por
provocar um rombo sensível na campanha de Maria de Belém. E com razoável
justificação, já que o incidente completa todo um perfil político, juntando-se
à falada ligação da candidata, conquanto legal, a empresas da área da saúde,
sendo ao mesmo tempo deputada, e à sua postura inerte em relação aos cortes de
vencimentos e pensões dos funcionários públicos, contrastando com a sua tomada
de posição no pedido de apreciação da constitucionalidade da lei que sujeitava o
direito a receber as referidas subvenções vitalícias à condição de rendimentos – uma causa
incidente sobre interesses próprios dos requerentes e, portanto, da própria
candidata a Presidente da República.
Sampaio da Nóvoa, evidentemente!
A esquerda, suicidária por tradição e vocação, dividiu-se numa pluralidade de candidaturas, como se a próxima eleição presidencial fosse questão menor, em que interessasse sobretudo marcar territórios partidários... Resultado: é enorme o perigo de a direita estacionar mais 10 anos em Belém, boicotando a ação do primeiro governo de esquerda que há desde há 40 anos, para depois, na primeira ocasião oportuna, dissolver a AR e dar a "palavra" aos eleitores... A coisa é séria, mesmo muito séria. A necessidade de concentrar votos logo na 1ª volta em Sampaio da Nóvoa é evidente. Se o candidato da direita ganhar logo na 1ª volta, aqueles que apareceram para dividir a esquerda (depois de lançada uma candidatura de convergência, como é a de Nóvoa) ficarão com a responsabilidade histórica da derrota. (Ainda têm dois dias para desistir...)
17 janeiro 2016
PBAP (Professor Bitaites a Presidente)
Aconteceu o que já toda a gente sabia há meses (há anos) menos ele próprio: o prof. Bitaites candidatou-se a PR. E vai muito à frente nas sondagens. É já quase presidente ainda mesmo sem ter havido eleições. Ele próprio aliás acha uma mera perda de tempo a campanha eleitoral, não quer discutir ideias nem projetos (para quê ideias? o povo quer é uns beijinhos com umas larachas à mistura). Se por infeliz acaso do nosso destino coletivo este parlapatão chegar a presidente não nos vão faltar cenários, cenas e fitas em Belém, reconvertido em palco para um "one man show" permanente, um espetáculo de variedades para todos os gostos, mas que certamente vai ficar caro no final da festa. E não se esqueçam que é por 10 anos! (A somar aos últimos tristes 10!!!)
14 janeiro 2016
Trepalium - Ficção ou Realidade?
Hoje estreia uma série de seis episódios na RTP2 que retrata uma sociedade em que 80 por cento da população está desempregada: de um lado os activos, do outro os desempregados. A separá-los um muro.
Há mais de uma década li um livro que anunciava este futuro.
O futuro era resumido numa fracção e num conceito: "dois décimos" e "tittytainment", pois "para manter a actividade da economia mundial, dois décimos da população activa seriam suficientes" e a forma de ocupar os restantes seria o "tittytainment", ou seja, "uma sábia mistura de divertimento estupidificante e de alimentação suficiente permitiria manter de bom humor a população frustrada do planeta".
No livro que li algumas soluções eram defendidas pelos gestores, designadamente, sobre quais as instâncias (que não as empresas, claro) que deveriam ocupar-se dos desempregados, as quais seriam, então, o voluntariado, a participação em actividades desportivas e em associações de todo o tipo.
Dizia-se no livro que isto sucederia "no próximo século". O livro foi escrito em 1996.
Este futuro, que nada mais é senão o nosso presente, é agora ficcionado. Estou curiosa para ver como acaba.
10 janeiro 2016
Costa e o AcordoOrtográfico
António Costa acedeu em ir, na
veste de 1.º Ministro, à Quadratura do Círculo, onde tinha sido interveniente
habitual. Para além da boa receptividade que uma tal atitude estava destinada a
provocar, o que, de resto, foi bem visível na afabilidade com que os outros
intervenientes o acolheram, Costa andou bem nas respostas que deu às perguntas
dos seus antigos colegas do programa televisivo. Só foi decepcionante, do meu
ponto de vista, na resposta que deu à questão de Pacheco Pereira sobre se o
governo tencionava “reverter” o tão famigerado, quanto polémico Acordo
Ortográfico. Costa e o seu governo não vão
fazer nada a esse nível. E é pena, porque se trata de uma desfiguração da
língua portuguesa e da nossa identidade. Mais uma machadada inconcebível nas nossas raízes.
09 janeiro 2016
O debate mais falado até ao momento
Vi em diferido o debate
entre Marcelo Rebelo de Sousa e Sampaio da Nóvoa. A isso me levou um artigo do Público e alguns comentários que ouvi,
que batiam a mesma tecla: a candidatura do analista tinha deixado de ser um
passeio. Comungo da mesma opinião. O loquaz Marcelo “não perdeu o pio”, mas foi
nitidamente encostado às boxes, para
empregar uma metáfora automobilística. Reconduzido a uma posição defensiva, de
mero contra-ataque, onde a falta de argumentos foi substituída por
interrogativas reiteradas, que mais não eram do que o devolver de safanões
impotentes ao adversário, Marcelo deu de si uma imagem pouco consistente,
contrafeita, nervosa, sublinhada por pequenos tiques faciais, muito ao
contrário da imagem de Sampaio da Nóvoa, senhor de si, aparentando à vontade e
articulando um discurso mais bem estruturado. A experiência televisiva de
Marcelo esboroou-se num ápice e, ali, quem pareceu, de facto, ser o Mestre, foi
o seu antigo Reitor.
07 janeiro 2016
Candidatos
Um dos gestos mais significantes
de Marcelo Rebelo de Sousa, ainda que parecendo um pequenino pormenor, é o
episódio do taparware, em que ele
transporta o seu almoço frugal. Dava para um belo texto de Roland Barthes, a
incluir nas suas Mythologies, ou
mesmo nos Essais Critiques, onde
ficaria muito bem, segundo penso, na “Strucuture du fait divers”.
Por outras palavras: O candidato
gosta é de espectáculo e de dar nas vistas, ainda que o dissimule numa
aparência de não espectáculo e de banalização. Ou seja, transforma aquilo que
seria um não acontecimento num facto noticioso dos telejornais. O povo diria
que é um artista.
Maria de Belém Roseira tem-se
esfalfado a explicar que a sua actividade como consultora de várias empresas
ligadas à saúde, enquanto deputada, não tem nada de molesto, nem belisca a sua
honorabilidade, tanto mais que as funções na Assembleia da República não lhe
exigiam exclusividade. Por isso, até ganhava menos como deputada.
A explicação não tem que se lhe
diga. Com efeito, tendo entrado na carreira política mais ou menos de uma forma
casual, quando era funcionária da Administração Pública, a viragem que a sua
vida sofreu acabou por lhe dar notoriedade e conhecimentos, que ela aproveitou,
e fez bem. Todavia, lembro-me de, quando se falou da alteração do Estatuto dos
Juízes, que não veio a materializar-se, em que se pôs em equação a necessidade
de os juízes serem compensados remuneratoriamente pela obrigação de
exclusividade a que estão adstritos, ela ser uma das mais rebarbativas
opositoras, dizendo que muitas outras pessoas também tinham obrigação de exclusividade.
Pelo zelo com que falou diante das câmaras de televisão, até pensei que ela fosse uma das deputadas que vivesse
apenas do estipêndio público. Mas seria uma questão de altruísmo para com
outros profissionais, que não mencionou, que a levou a essa acalorada posição.
Edgar Silva parece que ficou
embatocado com a questão da natureza do regime da Coreia do Norte, em que
domina um fontoche sanguinário, chamado Kim Jong-un. Ditadura ou democracia? Mas
que diabo!, não será essa hesitação também um pormenor muito significativo de uma ideologia paquidérmica?
04 janeiro 2016
Razões de uma escolha
(Ou de como a realidade
é o que é e a ideologia uma bagunça)
Passou a festa de Santa
Claus, foi expulso o Ano Velho e veio o Ano Novo. É costume nesta altura passar
em revista os eventos mais salientes do ano que findou, assim como as
personalidades que, por uma razão ou por outra, adquiriram mais projecção. Não
vou para além das nossas fronteiras na busca dos tais eventos notáveis e das
personalidades mais marcantes do ano, pois nem sempre as cousas mais dignas da
nossa atenção e as acções mais admiráveis se encontram fora da nossa Pátria.
Antes pelo contrário, o nosso esforço deve ser dirigido em primeiro lugar para
o que acontece na nossa terra, não só por razões de proximidade, como também de
afectividade, exaltando o que de bom e denegrindo o que de mau nela teve lugar.
Porque, naturalmente, o
nosso espírito foge dos acontecimentos sombrios e é atraído pelos que nos
trazem maior proveito e felicidade, estes fazendo esquecer a pungência
daqueles, o meu gosto pende totalmente para a acção de uma figura de proa da
nossa vida pública e que muito tem contribuído com o seu saber, a sua
tenacidade e o melhor do seu esforço para a fisionomia que o nosso país tem
adquirido nas últimas décadas. Refiro-me, como não podia deixar de ser, ao nosso
Presidente Magister.
Trata-se de uma
personalidade que sempre teve os pés bem assentes na realidade e, quando digo
realidade, refiro-me à realidade pura e dura, ou simplesmente, sem adjectivos,
Realidade. Nestes últimos anos, tão difíceis para o nosso país, soube sempre escutar
e interpretar a voz do Real para se colocar do lado certo, aquele que permite a
um sujeito bem situado no centro da mesma realidade dizer: “Este é o caminho;
não há que enganar”. Fere?, golpeia?, faz sangue?, em último caso, bane quem
não pode aguentar a caminhada? Pois sim, mas é o Caminho. No fim dele, está o
sucesso, o triunfo, a salvação.
Foi assim, guiado pela
sábia percepção do real, que o nosso Presidente Magister soube sempre
acompanhar, com o seu alto magistério, e caucionar com o seu alto patrocínio, o
rumo que uma governação austera, mas realista, foi imprimindo ao nosso país nos
último anos. E, no fim, aspirando no ar o odor do sucesso, não se cansou de glorificar
o caminho trilhado, cantando por toda a parte os valorosos feitos que puseram a
nossa Pátria na senda do progresso.
Desejando dar
continuidade a esse rumo tão promissor, o nosso Presidente Magister fez, no ano
findo, por ocasião de novas eleições, uma aposta solene numa coligação sólida
para governar o país. Referia-se, evidentemente, a uma coligação sólida baseada
na realidade. Porém, aconteceu uma cousa surpreendente e nunca vista: os
partidários mais capazes, segundo a tradição, de darem o seu contributo para
essa coligação, roubaram a realidade ao Presidente e ao país, unindo-se, contra natura, aos partidários
ideológicos e açambarcaram o poder. Cousa supinamente infame! Nunca se viu que
a realidade fosse, assim, objecto de um roubo, ainda para mais a realidade
presidencial, e fosse substituída pela ideologia espúria, popularucha e
demagógica. O Presidente tentou assenhorear-se novamente da realidade, mas não
conseguiu, dado que os seus poderes estão prestes a expirar, na sua já longa carreira
política.
Pese embora tal
circunstância, o Presidente Magister não se conformou e fez, no fim do ano, em jeito
de despedida, uma advertência que ficará para sua glória pessoal e para os anais
da História: a Realidade acaba sempre por vir ao de cima e terminará por vencer a governação ideológica.
Nestes tempos difíceis,
eis uma singular abertura para a esperança e um motivo de sobra para a minha
escolha do ano que passou.
Jonathan Swift (1665-1745)