30 junho 2016
"Leviandades" de Schäuble
É leviano pensar que Schäuble foi leviano ao "anunciar" um novo resgate para Portugal. Ele nunca se precipita, é um homem que encarna como ninguém a "racionalidade" fria germânica. Se disse o que disse é porque queria dizê.lo. É certo que depois recuou um pouco, mas o recuo manteve o essencial: o resgate só não será necessário se Portugal "cumprir as regras europeias" (as sagradas regras europeias impostas pela Alemanha através do Tratado Orçamental). O que Schäuble quis acentuar é que não pode haver "virar de página da austeridade", como "ingenuamente" pretende o governo português... A "mensagem" de Schäuble não é financeira, é política: a Alemanha vai fazer tudo para forçar o governo português a reconhecer a fatalidade da austeridade, como aconteceu com o governo grego do Syriza. A reação do PS foi exemplar. Mas ficamos a saber que a Alemanha o que pretende é derrotar uma segunda tentativa (vinda mais uma vez do desprezado Sul) de escapar à austeridade imposta pelas tais "regras europeias".
27 junho 2016
A Europa em tempo de viragem
Também penso, como o Maia
Costa, que o resultado do referendo no Reino Unido foi determinado pelas piores
razões: xenofobia, imigração, controle de fronteiras contra a livre circulação
de pessoas no espaço da EU, reacção contra os refugiados das guerras no Médio
Oriente, quando o Reino Unido (RU), no tempo de Toni Blair, foi um dos
principais responsáveis pelo recrudescimento da instabilidade e do terrorismo
nessa região e fora dela.
É certo que muitos dos tradicionais
eleitores do Partido Trabalhista contribuíram para o resultado que foi obtido,
mas isso só significa que esses eleitores, que Corbin não conseguiu segurar –
dizem que por não se ter empenhado resoluta e convictamente na defesa da
manutenção do RU na EU – se deixaram mover por razões conservadoras e mesmo reaccionárias.
Claro que o resultado
do referendo é um aviso sério para os eurocratas e a política que tem vindo a
ser seguida no seio da EU, não inteiramente alheia àquele resultado. Os analistas,
de modo geral, concordam nesse ponto e têm vindo a manifestar a sua opinião no
sentido de que a União tem de mudar de rumo e tornar-se mais democrática, pois
a democracia escasseia na suas instituições e a raiva contra os “patrões” que
presentemente a comandam vai-se tornando cada vez mais patente por parte dos
povos que sofrem a sua arrogância e discricionariedade. Muitos desses analistas
(e não são da extrema esquerda, nem radicais) até pensam que é de abanões como
este que a EU precisa para se reformar. Mas talvez os “patrões” da EU ainda não
aprendam desta. Por alguma razão eles são os “patrões”.
O Bloco de Esquerda aproveitou
o resultado do referendo britânico para também anunciar uma campanha por um
referendo intra muros, no caso de os
eurocratas insistirem nas sanções a Portugal. Acho que foi inoportuna essa
mensagem, mas grande parte dos “operadores” da comunicação social, obedecendo a
um impulso irresistível para o sensacionalismo e a descontextualização,
começaram logo a falar do assunto como se o referendo fosse um dado adquirido
por aquela força partidária, e a pôr ao barulho representantes de outros
partidos e o próprio presidente da República. É infelizmente uma técnica muito
seguida nos media.
24 junho 2016
Brexit e outros possíveis exits
Afinal ganhou o "out". Ganhou pelas piores razões: xenofobia e saudosismo imperial. As consequências práticas para a UE não serão muitas porque a Inglaterra verdadeiramente nunca esteve com os dois pés dentro. Mas o resultado não deixa de ser uma enorme bofetada para todos os que nos últimos anos têm dirigido os destinos da UE, a começar evidentemente pelo governo alemão. Uma Europa à deriva, à mercê dos interesses dos países mais fortes, indiferente (e punitiva) para os países mais frágeis, sem instituições próprias credíveis e respeitadas, sem projeto definido que não seja o Tratado Orçamental, a bíblia dos atuais europeistas, é este o estado atual do "projeto europeu". "Eles" sentiram imediatamente o golpe, vão reunir em Berlim, mas é claro que não há muitas (nem poucas) esperanças de mudança de rumo... Agora, no princípio de julho, a propósito das anunciadas sanções contra Portugal, já vamos ver... Voltando às ilhas britânicas, o processo de saída agora aberto também não vai ser fácil. Aguardemos o que vai fazer a Escócia (onde a permanência ganhou com 62%...) e a própria Irlanda do Norte.
23 junho 2016
O referendo no Reino (dito) Unido
Os reino-unidenses vão hoje votar se querem ficar ou não na UE. (Estranha-se desde logo que escolham um dia útil para exercer o direito de voto, pois a maioria dos votantes trabalha, creio eu, mas eles lá sabem...) Os argumentos dos que querem sair traduzem um anacrónico saudosismo do isolacionismo (e da xenofobia) que marcou a Inglaterra dos tempos do império, quando era a maior potência europeia; mas agora, sem império e relegados para lugar secundário na hierarquia europeia, preferem ficar sozinhos... Por sua vez, nos que querem ficar, há que distinguir entre os que o fazem por razões puramente económicas (caso de Cameron) e os que entendem que na UE os direitos sociais ficarão mais bem salvaguardados (caso dos trabalhistas). Acontece, porém, que saindo ou ficando, a decisão não terá para a UE uma repercussão de maior, ao contrário do que dizem os nossos comentadores encartados. Na verdade, o Reino (dito) Unido nunca se envolveu no projeto europeu, no bom ou no mau sentido; sempre procurou estatutos especiais (nomeadamente em modo de cheque) e pouco se ralou com o que se passava no continente, a não ser que isso o pudesse prejudicar. Não entrou no euro, não entrou no espaço Schengen, etc. Automarginalizou-se, procurando aproveitar a UE apenas e estritamente no que lhe podia egoisticamente interessar. A saída da UE, que não vai acontecer, porque os reino-unidenses, como toda a gente, também têm medo do escuro, teria um efeito sobretudo psicológico, embora intenso, como indício do descalabro a que a governação do PPE conduziu a UE. Esperemos então o resultado, na certeza de que, com sim ou com não, a UE não vai melhorar nem piorar.
EUA: Às armas! Às armas!
Mais uma vez foram chumbados no senado americano alguns projetos que (timidamente) tentavam incrementar o controlo da venda de armas pessoais. Não é de esperar nenhuma evolução legislativa na matéria nos próximos anos. Há que compreender o seguinte: os americanos são um povo que adora as armas de fogo! Cada americano só se sente seguro, confiante, verdadeiramente americano, quando sente a arma na mão. Há uma relação fisiológica, passional, erótica, entre a mão e a arma! Não são só as pressões da indústria das armas que inviabilizam uma legislação restritiva. É que a própria identidade americana, segundo o modelo assimilado pelo americano médio, ficaria em perigo... E os senadores, lídimos representantes do povo, não querem nem podem renegar essa identidade.
16 junho 2016
Das razões que nos assistem para mudarmos o nosso ideário
(Folheto de orientação
política para os partidários da nossa causa)
Bem poderemos dizer com
ufania que somos os campões da flexibilidade.
Quando tivemos o poder
nas mãos, enchemos a boca com a palavra flexibilização.
E não só apregoámos a ideia, como a pusemos em prática com muita largueza.
Sobretudo no campo laboral fomos muito flexibizadores, rompendo com a armadura defensiva
que as agremiações laborais forjaram ao longo de décadas, que nós chamamos de “irresponsabilidade”.
Para repormos
equilíbrio na sociedade e procedermos ao necessário ajustamento (um termo que muito deve à nossa inventividade verbal) tivemos que nos socorrer dos nossos
amigos troicanos e de ir buscar dinheiro onde ele tinha vindo a ser mal
distribuído desde a Revolução dos Cravas. Foi assim que fomos flexibilizando
aqui e acolá, ora encurtando os salários dos obreiros, ora os incríveis subsídios
dos desempregados e as pensões dos reformados, ora os rendimentos das classes
medianas e, com mais afinco, por viverem à custa do Estado, os vencimentos dos
servidores públicos.
Desembaraçámo-nos de
grande parte do sector económico estatal, vendendo a privados, com uma rapidez
inultrapassável, empresas que podem dar muito lucro e que, por isso, se não
concebem na esfera do Estado, por este não ter, enquanto patrão, a mesma ávida flexibilidade que um privado.
Diminuímos os
orçamentos da saúde, da escola pública, da ciência, das artes, em primeiro
lugar, porque o Estado não é médico, nem professor, nem cientista e, muito
menos, artista e, em segundo lugar para obrigarmos os sectores respectivos a
serem mais flexíveis, por força de uma salutar ginástica eliminadora daquilo
que designámos por “gorduras”. As gorduras, como se sabe, tolhem os movimentos
capitais da sociedade, que só a iniciativa privada é capaz de impulsionar
convenientemente.
Com esta nossa política
começámos a desmoronar o chamado “Estado Social”, um monstro que foi engordado
pelos fautores e adeptos da “Revolução dos Cravas”, cuja influência nós fomos
abatendo com uma determinação nunca antes experimentada. Como seria de esperar,
tivemos o ódio dos representantes ainda sobreviventes dessa revolução, que nos
viraram as costas nos aniversários dela - aniversários que, apesar de tudo,
ainda fomos celebrando, dentro do espírito flexível que nos caracteriza. E
arrostámos corajosamente com grandes manifestações do poviléu, enchendo ruas e
praças, incluindo as forças de policiamento. Mas mantivemo-nos firmes e
serenos, porque o nosso lema é manter o barco a singrar, não obstante os mares
encapelados. Firmeza no rumo e flexibilidade na adaptação às circunstâncias.
Foi isso o que nos fez durar e chegar ao termo do mandato, apesar das grandes
adversidades que tivemos que enfrentar.
Vieram as eleições e
que aconteceu? Perdemos a maioria, mas o que é certo é que, isoladamente, as ganhámos
com todo o mérito. Ora, quando se esperava que fôssemos mantidos no arco da
governação com a ajuda dos partidários mais próximos de nós, estes
burlaram-nos, visto que resolveram inesperadamente inflectir o seu rumo, unindo-se
aos que comungam de ideários radicais (por isso, ditos “os comungas”), a
pretexto de, em conjunto, representarem uma maioria que rejeitava a nossa
política. Não nos conformámos e não nos conformaremos.
Esperamos que o novo
governo, formado por uma aliança espúria, se desengonce e acabe por
estatelar-se a todo o tamanho. Se o país escorregasse para o fundo, essa seria
a nossa sorte e a nossa suprema felicidade, mas não podemos confiar indefinidamente
nessa tábua de salvação. Também não nos podemos limitar a esperar que os nossos
amigos troicanos armem a rasteira que têm em mente para fazerem tropeçar este
governo e estender-se de rojo no chão.
Temos que agir em
força, assumindo de vez a nossa faceta de oposição. E para isso temos que
começar por atrair aquelas classes que atacámos no passado e defender ideias
contrárias às que sustentámos quando no governo, pois são umas e outras que dão
força à governação dos nossos adversários.
Ferimos de morte as
classes medianas; pois temos agora que passar por defensores intransigentes dos
seus interesses. Atraí-las para o nosso campo, atacando com gana o aumento de
impostos com que as onerámos no passado recente, mas como o peso do fisco ainda
perdura, não há senão que fazer de conta que são os nossos adversários os seus carrascos.
Haveremos de fustigar
com todas as forças o aumento do desemprego, que tanto fizemos crescer no nosso
tempo de governo, mas que nada impede, agora que estamos na oposição, de o
criticarmos acerrimamente.
Não desperdiçaremos
munição alguma no combate à austeridade, que tão acarinhada foi pelo nosso
governo, mas que, atenazando ainda o nosso povo, pois já se sabe que nenhum
governo a poderia erradicar de um momento para o outro, poderemos e deveremos
fulminá-la como uma realidade existente no momento actual.
Enfim, teremos que saber
erguer a bandeira do social. É a hora de metamorfosearmos o nosso ideário. Não
há que ter pejo algum, pois isso só provará que sabemos mudar de pele consoante
as circunstâncias de momento. Somos os campeões da flexibilidade e não há razão alguma para não mostrarmos flexibilidade
nas ideias que defendemos.
Essa será a nossa
grande batalha no presente. Pormos as cousas de pernas para o ar.
08 junho 2016
O precipício
Por vezes, dá-me a
impressão de que estamos a beirar o precipício.
A Europa está
mergulhada numa crise de que parece ser difícil sair, e não me refiro à crise
económica, mas à crise de valores, à sua desintegração real, por estupidez de
muitos dos seus líderes, por notória falta de coesão e de solidariedade e por
espírito de ganância.
Do outro lado do Atlântico,
corre-se o perigo de um Trump qualquer se assenhorear das alavancas do poder
global, deitando tudo a perder.
O Médio Oriente continua
a ser um gravíssimo problema sem solução à vista.
O fanatismo terrorista é
um cancro extremamente agressivo que é mais difícil de extirpar, do que aquilo
que parece.
As 35 horas
As 35 horas vão ser
repostas para os funcionários públicos. É um acto de justiça, para além de ser
o cumprimento de uma das promessa eleitorais e estas são para ser cumpridas,
sob pena de uma descredibilização da política.
Com efeito, o horário
de trabalho dos funcionários públicos foi aumentado pela anterior coligação governativa
de 35 para 40 horas semanais. Sobre ter sido um acto imposto unilateralmente,
foi também uma forma de esticar o tempo de trabalho sem a correspondente remuneração
e, portanto, um acto de extorsão.
Alega-se, por vezes, em
abono dessa medida, o desnível existente entre o sector privado e o sector
público, mas, para além de nem todos os ramos do sector privado terem 40 horas
de trabalho semanal, não há dúvida de que a pretensa equiparação foi feita por
um acto unilateral e impondo um ónus sem contrapartida. Um acto de afirmação do
poder, cuja força simbólica pretendeu traduzir uma sobreposição absoluta do “empregador”,
como agora se diz, sobre o prestador do trabalho.
Por outro lado, por que
razão é que a equiparação tem de fazer-se seguindo o princípio da agravação da
posição do trabalhador e não o contrário? O progresso deve ir no sentido de diminuir
o trabalho obrigatório, favorecendo a libertação de tempo de ócio para coisas
tão importantes como a valorização e realização pessoais, a dedicação aos filhos, a entrega a tarefas de cunho
altruístico, a criatividade e tantas outras coisas, enfim, incluindo a
libertação de tempo para dar emprego a outros – coisas que o próprio Papa hoje
reclama como necessárias.
06 junho 2016
Congresso do PS: algo de novo
Os congressos dos partidos costumam ser meramente aclamatórios, pré-anunciados e programados. Embora o congresso do PS ontem encerrado tenha seguido de alguma forma esse guião, a verdade é que teve momentos fortes, que importa reter. Em primeiro lugar, a afirmação do apoio ao ministro da Educação e a consequente recusa de cedência à direita quanto aos famigerados "contratos de associação" com as escolas privadas. Em segundo lugar, a (re)afirmação da aliança parlamentar que apoia o Governo, e a consequente confirmação da certidão de óbito do "arco da governação". Em terceiro lugar, e sobretudo, a explicitação de que o "europeismo" do PS não é de cedência ao neoliberalismo do PPE, que manda atualmente na Europa, mas de procura de uma alternativa a esse domínio. Isto é verdadeiramente novo. Pode parecer quixotesco para um país pequeno, mas a pura e simples submissão à Europa que a direita praticou entre 2011 e 2015 também não se mostrou afinal eficaz... Quem se agacha dificilmente se levantará alguma vez... Este, pequeno talvez (aparentemente), sinal de "rebeldia" pode ser o início de um outro caminho para a própria Europa. As eleições em Espanha podem dar um alento importante a uma alternativa...