29 outubro 2018

 

E agora, José?

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher.
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra.
sua gula e jejum,
seu instante de febre,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense.
se você dormisse.
se você cansasse,
se você morresse.
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato.
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
sua gula e jejum,
você marcha, José!
José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade






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