07 fevereiro 2019
Punir ou avaliar o mérito?
A decisão que sancionou o juiz-desembargador Neto de Moura
levanta-me algumas perplexidades.
Em primeiro lugar, a matéria que deu causa à sanção é do domínio
opinativo e punir alguém por opiniões que expende é muito
problemático. Bem certo que há limites a respeitar e que sobretudo
um juiz não pode ultrapassar , mas só em casos de ofensa a outros
direitos ou de manifesta insensatez, incorrecção ou desprestígio
da função. No caso, as afirmações feitas no acórdão têm a ver
com a conformação mental de quem as produziu, com a sua formação
ideológica, a sua visão das coisas. Pode essa visão estar
desconforme com os padrões requeridos para o exercício da função,
nomeadamente os que se prendem com os valores constitucionais, mas
isso não é motivo, do meu ponto de vista, para aplicação de uma
sanção disciplinar. Já o seria para uma apreciação a nível de
mérito, com eventuais consequências na evolução da carreira desse
juiz. Punir num caso destes parece-me enveredar por um caminho
perigoso, que pode abrir a porta a possíveis arbítrios. As
afirmações feitas eram desnecessárias? Eu disse-o num artigo que
escrevi neste blogue em devido tempo. Porém, quantas decisões
contêm afirmações desnecessárias e provavelmente chocantes, a
ponto de serem glosadas pela opinião pública?
Em segundo lugar: foi punido apenas o relator, e aqui surge outro
problema. Então a decisão objecto de censura não foi uma decisão
colegial? Só o relator é responsável por ela? Ao punir-se apens o
relator, para além da injustiça que possa comportar, deu-se um
sinal errado para a opinião pública, caucionando-se uma posição
comum de si errada, que é a de considerar que, nas decisões dos
tribunais superiores, é apenas quem as redige que é responsável
por elas e não também quem as assina, tornando-se solidário com o
que nelas foi escrito, podendo e devendo obstar a que alguma passagem
delas fosse tornada pública.
Por último, não queria deixar passar em claro a atitude justiceira
de certos jornalistas, como acontece hoje no Público, em que alguém,
que assina com iniciais, expende a opinião de que a sanção
aplicada “sabe a pouco”. É uma afirmação no mínimo
despudorada, para além de grosseira. Bastará atentar na divisão
que o caso provocou no seio do Conselho Superior da Magistratura, o
qual tem uma maioria de membros não magistrados para se depreender o
carácter polémico de uma tal decisão, exigindo-se, em
consequência, um certo comedimento.