18 dezembro 2005

 

Patriotismo

Sobre o patriotismo, tema recorrente de alguns candidatos presidenciais, quero dizer o seguinte.
Educado como fui no tempo da “outra senhora”, obrigado a cantar, além do hino nacional, o hino da Mocidade Portuguesa (“lá vamos cantando e rindo, levados, levados, sim…”), a acreditar no milagre de Ourique, na padeira de Aljubarrota, na superioridade moral da nossa missão civilizadora sobre a das outras nações europeias, etc., etc., etc., é natural que a palavra “Pátria”, que designava um absoluto ( «a Pátria não se discute»), me parecesse suspeita e incompatível com a democracia. E até hoje não encontrei motivos para alterar essa suspeita.
Eu sei, é claro, que esse termo tem sido usado em contextos progressistas. «Patria o muerte» foi o grito fundador da revolução cubana.
E na nossa história também o patriotismo foi várias vezes invocado pelas forças progressistas, como os liberais, depois os republicanos, mais tarde, em certos momentos, a oposição “legal” e clandestina a Salazar. Mas em qualquer desses casos, era um patriotismo sobretudo táctico, uma arma de arremesso contra os opositores, e não uma componente do ideário dessas correntes revolucionárias.
A meu ver, o conceito de Pátria tem ínsito inevitavelmente um sentido de afirmação, não de valores, de razões de ordem ética, mas sim de exaltação da superioridade ou, no mínimo, de contraste (em relação às outras pátrias), que tende para a afirmação de relações de poder, de domínio, de força entre elas. Patriotismo e universalismo são incompatíveis. O patriotismo é excludente e tende a ser intolerante. Dois patriotas de diferentes países dificilmente se entenderão e facilmente conflituarão.
No actual momento da história da Europa, convocar o patriotismo é erguer barreiras à construção europeia. O Estado-Nação não pode servir de referência democrática, antes constitui um travão à afirmação da Europa no mundo e constitui um estímulo à pulverização dos estados europeus, em plena época de alargamentos, em velha e nova Europa, eurocépticos e europeistas, etc., o que beneficia a superpotência do outro lado do Atlântico e adia a emergência da Europa enquanto grande referência dos valores expressos na sua Carta dos Direitos Fundamentais. Os efeitos do patriotismo estão bem à vista nestes dias de discussão do orçamento comunitário.
É evidente que a Europa, para o ser, tem que garantir a sua pluralidade, a sua riqueza de diferenças e contrastes. Não se pretende unificar a Europa mediante o método do “melting pot”. Mas as múltiplas e diversificadas peças que a constituem só podem constituir um mosaico, um único mosaico.
O patriotismo é incompatível com o ideal cosmopolita e universalista herdado do iluminismo, ideal esse que é o único que pode impedir o triunfo do mito hegeliano da encarnação do Espírito da História numa nação, assim legitimada a conduzir/dominar o mundo, seja ela a Prússia, como o seu criador pensava e queria, os EUA, como hoje eles se auto-proclamam, com a aprovação ou a submissão de muitos, ou alguma potência emergente, ou a emergir.
Como disse AntónioVieira (sim, o padre), cidadão português e do mundo, como poucos o foram, «para nascer um pouco de terra, para morrer toda a terra; para nascer Portugal, para morrer todo o mundo», palavras lembradas e aproveitadas por Ruy Belo para o título do seu belíssimo livro Toda a terra.
“Toda a terra” é a nossa pátria, que não exclui a terra onde nascemos, antes a inclui em harmonia com as dos outros.





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