16 dezembro 2005

 

Novo quadro para a política criminal (3) - 30 anos sem definição de política criminal ou com insuficiente escrutínio das políticas criminais?



Um dos pontos que se imporia discutir a propósito da política criminal e de uma lei-quadro sobre a mesma é o que tem sido feito em termos de definição e execução.
Esse foi sem dúvida um dos propósitos assumidos na iniciativa governamental em curso tendo-se dito que se era movido (e legitimado) pelo facto de no quadro vigente Portugal ter «desistido de definir uma política criminal». O que é um diagnóstico avassalador para o desempenho do Parlamento e do Governo.
Por muito atraente que se possa apresentar a adesão a uma avaliação histórica radical como a de a ausência de definição política num sector fundamental do Estado de direito, nesta sede tal retrato (sobre uma absoluta omissão e não propriamente sobre o desvalor da acção) parece ser facilmente desmentido pelos factos, temos mesmo múltiplos exemplos de definição de política criminal, podendo até dizer-se que, por vezes, se atropelam as redefinições de política criminal (vejam-se os casos dos crimes estradais, e sexuais ou o caso exemplar dos crimes no âmbito familiar). Mas não só, também as leis processuais são inequívocas definições de política criminal que tratam da relação do poder punitivo do Estado com o cidadão (não só nas expressões desse odioso poder como na dimensão do compromisso de segurança e as próprias razões do Estado).
Exemplos de uma e outra situação:
1. A alteração de 2001 do Código Penal correspondeu a uma nova definição que terá determinado (consciente ou inconscientemente) que, por exemplo, os tribunais deixassem de aplicar a pena acessória de proibição de conduzir aos homicídios e ofensas à integridade física cometidas com violação das regras estradais, história que foi explicada aqui com continuação aqui . Aí está uma definição político criminal que, complementada pela sua execução judicial em sede de consequências jurídicas do crime, deve ser objecto de discussão política que parece estar por fazer (apesar de tanto se falar de políticas de prevenção em matéria rodoviária).

2. O valor e a utilizabilidade das declarações do arguido produzidas no processo, que corresponde a uma importante expressão político criminal não só do modelo de processo mas do quadro de fixação de uma verdade estadual, a judiciária / penal. Constitui um verdadeiro imperativo democrático escrutinar a ponderação de valores políticos antinómicos expressa na definição das regras de fixação da verdade penal, que recorde-se é expressão de uma função estadual que se diz realizada «em nome do povo» (mas não deixa de ser estranho que num terreno em que a respeito de tudo e de nada se apresentam e confrontam opiniões sobre a justiça, sobre alternativas constitucionais, a propósito do recente caso julgado em Portimão os especialistas televisivos e a generalidade dos jornalistas se centrassem apenas na interpretação da lei e não se aproveitasse o ensejo para discutir as opções de regulação legal das declarações do arguido).

Em síntese, a propósito de um novo quadro de política criminal o que se impõe discutir não é se deve passar a ser definida uma política criminal para ser judiciariamente executada (algo que objectivamente sucede sempre que são criadas leis penais substantivas ou adjectivas, com ou sem consciência dos seus efeitos) mas, simplesmente:
1. Se são necessários novos instrumentos de definição de política criminal (e já agora quais);
2. E vias para o escrutínio das diversas instâncias de definição e execução da política criminal, constitucionalmente responsáveis por essas funções, repete-se: Assembleia da República, Governo (a quem a Administração Pública, nomeadamente as entidades policiais, está hierarquicamente subordinada e de quem os órgãos de polícia criminal dependem organizatória e disciplinarmente), Tribunais e Ministério Público (de quem os órgãos de polícia criminal dependem funcionalmente).





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