06 abril 2006

 

A responsabilidade criminal dos jornalistas

A pouco e pouco, os jornalistas vão conseguindo levar a água ao seu moinho. Primeiro foi a exclusão de responsabilidade criminal em relação a entrevistas publicadas por um periódico por afirmações que possam preencher um tipo legal de crime, quando o entrevistado esteja devidamente identificado (alteração ao texto do art. 26.º do DL 85 – C/75, de 26/2, então conhecida como Lei de Imprensa, pela Lei n.º 15/95, de 25/5), o que constitui um regime mais favorável do que o aplicado ao comum dos cidadãos. No caso de difamação, por exemplo, lembremos que, no regime penal comum, tanto comete esse crime quem fizer uma imputação lesiva da honra de qualquer pessoa, como quem reproduzir essa imputação, e a publicação de entrevista que contenha uma imputação desse teor constitui uma forma de reprodução da ofensa. Porém, aí, sempre se poderá dizer que a excepção é para não conferir aos jornalistas o odioso de uma censura , mas a verdade é que este ou aquele periódico, este ou aquele órgão de comunicação radiofónica ou audiovisual, nestes casos quando a entrevista seja em diferido, poderão servir-se de afirmações bombásticas feitas por um entrevistado mais destemido ou mesmo sem tino e que atinjam fortemente a honra de alguém, para, a coberto da irresponsabilidade penal, lhe darem uma difusão sensacionalista.
Da exclusão de responsabilidade criminal nas entrevistas, passou-se, na Lei de Imprensa actual (Lei n.º 2/99, de 13/1), à exclusão de responsabilidade por declarações correctamente reproduzidas, prestadas por pessoas devidamente identificadas. Portanto, não só entrevistas, como todo o tipo de declarações prestadas por terceiro. Ora, o que sucede é que muitos jornalistas se escudam atrás da isenção da sua responsabilidade para parafrasearem toda e qualquer declaração feita por terceiro e endossarem a esse terceiro toda a responsabilidade daí decorrente, mesmo quando o declarante é apanhado de surpresa e não é prevenido de que a declaração é para ser publicada. Às vezes, servem-se mesmo de uma conversa pelo telefone para captarem certas afirmações e divulgarem-nas sem consentimento expresso do interlocutor ou, ao menos, sem clarificarem convenientemente o fim a que se destinam, limitando-se a um lacónico intróito do género, «Olhe, o jornal está a fazer um trabalho sobre …», surpreendendo depois o visado com a publicação do que ele foi debitando em contexto de uma despreocupada conversa informal. Esta prática (e já não falo do hábito de gravar as conversas, que, sendo muito corrente, pode ser alvo da incriminação prevista no art. 199.º do Código Penal) favorece um jornalismo sem escrúpulos e com atropelo de normas deontológicas, do mesmo passo que mina a boa-fé que deve reger as relações sociais.
Agora, é a questão do segredo de justiça. A Unidade De Missão Para A Reforma Penal (que raio de nome!) já anunciou as suas intenções nesta matéria. O crime de violação de segredo de justiça vai ser limitado a agentes com determinada qualidade: aqueles que estiverem vinculados com o segredo, por participarem no processo. Todas as outras pessoas ficam de fora, mas a alteração visa sobretudo os jornalistas. O crime de violação de segredo de justiça só poderá ser cometido por um «extraneus», quando este, tendo tomado conhecimento de qualquer acto ou elemento coberto por segredo de justiça, der dele conhecimento, de forma a prejudicar a investigação. E entende-se que há este prejuízo somente em três situações taxativas: quando haja divulgação antecipada de meio de prova ou de meio de aquisição de prova; mandado de detenção ou de medida de coacção ainda não executados; divulgação de testemunha sob protecção ou agente encoberto.
Ora, é evidente que um tal regime é especialmente benéfico para os jornalistas. Embora não vendo obstáculo à limitação do segredo (ao menos para os jornalistas), àqueles casos em que a divulgação (dolosa, como é evidente) de determinado facto constante do processo prejudique a investigação, o certo é que a limitação taxativa desses casos às três situações referidas está muito longe de esgotar as situações em que a divulgação de determinado acto ou diligência processuais pode prejudicara investigação. E com o beneplácito da lei, e ainda com uma concepção de liberdade de informação que tende a não reconhecer nenhuns limites, na acerada competição dos «media» contemporâneos, pode bem suceder que a informação relativa a actos processuais que se traz indevidamente para a praça pública seja incrementada e, com ela, os chamados julgamentos antecipados e paralelos.





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