21 fevereiro 2007
Os juízes e a liberdade de expressão
Concordo inteiramente com as ideias que Pacheco Pereira expendeu no seu “Abrupto” sobre a liberdade de expressão dos juízes em público a respeito de decisões judiciais de processos em curso.
A propósito do que se tem passado, ele escreveu:
Ou é impressão minha ou os juízes andam a falar demais? É evidente que os juízes são cidadãos como outros quaisquer mas haver juízes a criticar decisões de outros juízes em público, em processos que ainda estão em aberto, a não ser em casos de interesse público relevante, quase de crise das instituições, de ameaça à democracia, de obrigação moral excepcional, não me parece que tenha outro efeito senão dissolver a autoridade dos próprios juízes face aos cidadãos que deles esperam distância, prudência, sensatez e alguma reserva. A reserva do poder.Dito isto, não tenho qualquer dúvida que não vale a pena dizê-lo. A mediatização da vida toda não parará à porta dos tribunais nem da cabeça dos juízes. Eles querem, como toda a gente, participar na grande cacofonia universal e tornar-se como os outros. A ilusão está em que, tornando-se como os outros, pensam que poderão manter o estatuto e os poderes que hoje têm. Estão enganados, mas ninguém os vai convencer disso, porque também eles querem ser “protagonistas”.
Ora, isto nada tem a ver com as ideias que os juízes possam exprimir acerca deste ou daquele problema em discussão, expressando o seu ponto de vista, mas evitando imiscuir-se no caso concreto. Dizia Trindade Coelho, um ilustre magistrado que muito se preocupou com a liberdade de expressão em geral e com as dos magistrados em particular, ele próprio tendo disseminado por uma série de jornais escritos seus em que opinava sobre questões momentosas, que “tudo se pode dizer; a questão é sabê-lo dizer”.
Pronunciar-se sobre questões de processos pendentes exige cautela e tacto. Mas criticar abertamente decisões de outros juízes é coisa que, em princípio, não me parece admissível, por todas as razões, a começar por razões de deontologia e, sobretudo por razões que se prendem com a credibilidade das instituições judiciárias. A crítica aberta e generalizada a esse nível desautoriza os tribunais e confunde os cidadãos, que são os sustentáculos do poder soberano, no qual radica o exercício da administração da justiça.
Só em caos excepcionais, do tipo daqueles que são referidos por Pacheco Pereira, é que será admissível quebrar o dever de reserva.
Isto não é uma limitação à liberdade de expressão. Quando muito, é um exercício de auto-regulação, em que entra a ponderação criteriosa de interesses conflituantes. Se isto não for compreendido, então isso é um sinal de que se não interiorizaram adequadamente as exigências da função.
Muitas vezes pensa-se que, demarcando-se de determinada decisão, se salvaguarda o prestígio de um múnus que se não quer ver associado a vilipendiados interesses corporativos ou a posições que um determinado pensamento dominante tem como sintomas de crise, mas a verdade é que, quase sempre, é o narcisismo que aflora e toma a bandeira de um protagonismo fácil.
A propósito do que se tem passado, ele escreveu:
Ou é impressão minha ou os juízes andam a falar demais? É evidente que os juízes são cidadãos como outros quaisquer mas haver juízes a criticar decisões de outros juízes em público, em processos que ainda estão em aberto, a não ser em casos de interesse público relevante, quase de crise das instituições, de ameaça à democracia, de obrigação moral excepcional, não me parece que tenha outro efeito senão dissolver a autoridade dos próprios juízes face aos cidadãos que deles esperam distância, prudência, sensatez e alguma reserva. A reserva do poder.Dito isto, não tenho qualquer dúvida que não vale a pena dizê-lo. A mediatização da vida toda não parará à porta dos tribunais nem da cabeça dos juízes. Eles querem, como toda a gente, participar na grande cacofonia universal e tornar-se como os outros. A ilusão está em que, tornando-se como os outros, pensam que poderão manter o estatuto e os poderes que hoje têm. Estão enganados, mas ninguém os vai convencer disso, porque também eles querem ser “protagonistas”.
Ora, isto nada tem a ver com as ideias que os juízes possam exprimir acerca deste ou daquele problema em discussão, expressando o seu ponto de vista, mas evitando imiscuir-se no caso concreto. Dizia Trindade Coelho, um ilustre magistrado que muito se preocupou com a liberdade de expressão em geral e com as dos magistrados em particular, ele próprio tendo disseminado por uma série de jornais escritos seus em que opinava sobre questões momentosas, que “tudo se pode dizer; a questão é sabê-lo dizer”.
Pronunciar-se sobre questões de processos pendentes exige cautela e tacto. Mas criticar abertamente decisões de outros juízes é coisa que, em princípio, não me parece admissível, por todas as razões, a começar por razões de deontologia e, sobretudo por razões que se prendem com a credibilidade das instituições judiciárias. A crítica aberta e generalizada a esse nível desautoriza os tribunais e confunde os cidadãos, que são os sustentáculos do poder soberano, no qual radica o exercício da administração da justiça.
Só em caos excepcionais, do tipo daqueles que são referidos por Pacheco Pereira, é que será admissível quebrar o dever de reserva.
Isto não é uma limitação à liberdade de expressão. Quando muito, é um exercício de auto-regulação, em que entra a ponderação criteriosa de interesses conflituantes. Se isto não for compreendido, então isso é um sinal de que se não interiorizaram adequadamente as exigências da função.
Muitas vezes pensa-se que, demarcando-se de determinada decisão, se salvaguarda o prestígio de um múnus que se não quer ver associado a vilipendiados interesses corporativos ou a posições que um determinado pensamento dominante tem como sintomas de crise, mas a verdade é que, quase sempre, é o narcisismo que aflora e toma a bandeira de um protagonismo fácil.